Motelx Upgrade critica

MOTELx ’18 | Upgrade, em análise

Em “Upgrade”, Logan Marshall-Green é um homem em busca de vingança que, num futuro inferno tecnológico, vai perdendo controlo sobre o seu próprio corpo. Este é um dos melhores exemplos de puro cinema de entretenimento em exibição nesta edição do 12º MOTELx.

Grey Trace, um mecânico num futuro próximo que tenta viver sem a interferência constante das novas tecnologias que parecem dominar a existência humana. Asha, sua mulher, não partilha tais ideias e trabalha numa empresa que cria próteses robóticas e deixa-se cair na indulgência tecnológica do futuro sem remorso ou dúvida. Certa noite, depois de visitar um cliente recluso, a vida deste tecnofobo é virada do avesso, quando o casal é atacado por um grupo de homens misteriosos, cujas ações deixam Grey paralisado e Asha morta. Desesperado e sem mobilidade abaixo do pescoço, Grey concorda em fazer parte de um procedimento inovador e supersecreto que o deixa com um implante na coluna, a capacidade de se mover e a voz de uma inteligência artificial no ouvido. Infelizmente, Grey vai perdendo autonomia, á medida que a máquina dentro dele o auxilia na sua missão de vingança sangrenta.

Esta é, basicamente, a história de “Upgrade”, um filme que, considerando a sua narrativa, parece pertencer a uma longa tradição de obras de ficção-científica que questionam quais os limites entre o ser humano e a máquina, assim como a nossa relação com a tecnologia. Afinal, no nosso presente, será que somos nós que usamos as novas tecnologias, ou é a tecnologia que nos usa a nós? Seria erróneo afirmar que “Upgrade” não levanta esta questão entre muitas outras, mas seria igualmente erróneo caracterizar este filme como uma experiência particularmente densa em termos concetuais. Este não é um exercício de ponderações filosóficas, mas sim um objeto de entretenimento desavergonhadamente lúrido, vagamente estúpido e maravilhosamente energético.

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O futuro é um inferno onde a tecnologia domina o Homem.

Para além disso, mais do que um filme de ficção-científica, esta é uma fusão entre cinema de ação e body horror. Contudo, convém referir como a ação muito se sobrepõe ao terror, em termos das prioridades estilísticas e narrativas, não obstante a presença de Leigh Whannell na cadeira de realizador. Esse rei do terror moderno, que já assinou obras como “Saw – Enigma Mortal” e “Insidious – Insidioso”, prova com “Upgrade” que pode tem tanto ou mais talento para a ação cinematográfica, orquestrando cenas de luta com elegância, impiedosa brutalidade e escolhas estilísticas que surpreendem e deleitam. Os efeitos gore intensos permanecem do seu repertório de terror, mas é o modo como Wahnnell orquestra o movimento de câmara e coreografa os seus atores que faz destas cenas os pontos altos de “Upgrade”, assim como alguns dos melhores momentos na filmografia do realizador.

A ajudar as lutas tortuosas e a carnificina a serem tão estrondosas peças de cinema de entretenimento, temos a prestação de Logan Marshall-Green, que consegue pegar numa personagem tão subdesenvolvida que é quase uma cifra, e nela encontrar a base para um dos desempenhos mais fisicamente expressivos do cinema americano atual. Repare-se no contraste entre Grey antes e depois da cirurgia, antes e depois do computador na sua coluna tomar completo controlo do seu corpo. Nas cenas iniciais, Marshall-Green realça os tiques casuais da sua personagem, como que pintando a sua caracterização só com detalhes corporais. Isso pode dar a impressão de uma abordagem superficial até que o espectador é confrontado com o corpo paralisado de Grey e a imobilidade do ator é quase dolorosa de observar.

Quando ele se começa a mover novamente, o milagre é tão admirável como grotesco, pois há algo de decididamente artificial na sua gestualidade. A postura do ator é demasiado perfeita, seus ombros uma linha direita, sua coluna uma pincelada tensamente vertical. Os movimentos, por seu lado, são demasiado deliberados, sem ser enfaticamente robóticos, como que traduzindo a ideia de um computador a interpretar as mensagens de um cérebro humano, dissecando as diferentes partes do gesto e tornando algo tão simples como pegar num objeto numa performance faseada. Quando o chip na coluna assume o controlo em cenas de luta, então a dissonância entre cabeça e corpo é ainda mais notória, assim como a crescente natureza mecânica das ações.

Mais do que os efeitos visuais e maquilhagem a dar vida a feridas horrendas e cirurgias invasivas, é o trabalho do ator que torna o filme num exemplo de body horror, telegrafando o pesadelo que é uma mente estar presa a um corpo que não controla. Tal atrocidade está tão emocionalmente presente nos momentos de paralisia, quando Grey se desmancha em lágrimas nos braços da mãe, como nas reviravoltas finais, em que a relação entre mente e corpo é infinitamente mais radical. Escusado será dizer que este é o melhor trabalho na carreira cinematográfica deste ator. Não que o resto do elenco não mereça louvor, especialmente Betty Gabriel que, no papel de uma agente da polícia cheia de justificadas suspeitas, consegue ser quase tão magnética como o protagonista.

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Logan Marshall-Green é estupendo.

Infelizmente, o design do filme não é tão inspirado como o seu trabalho de câmara, efeitos gore e exemplar elenco. As casas futuristas e o desenho dos mecanismos superdesenvolvidos, especialmente os carros, possui considerável extravagância, mas existe uma uniformidade demasiado grande em relação a todo o mundo de “Upgrade”, desde os bairros mais pobres até à mansão subterrânea de um dos maiores titãs empresariais do momento. Somente um bar que parece ter sido decorado por Leatherface oferece alguma variação, mesmo que seja uma proposta bastante absurda. Enfim, todo o edifício fílmico de “Upgrade” é absurdo, não muito inteligente, mas estupidamente empolgante. Para quem deseje desligar o cérebro um pouco e desfrutar grandes cenas de ação e uma narrativa convoluta, então “Upgrade” é o filme perfeito. Nem sempre é necessária grande complexidade e nuance para termos um objeto cinematográfico de qualidade.

Upgrade, em análise
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Movie title: Upgrade

Date published: 8 de September de 2018

Director(s): Leigh Whannell

Actor(s): Logan Marshall-Green, Melanie Vallejo, Steve Danielsen, Harrison Gilbertson, Benedict Hardie, Christopher Kirby, Linda Cropper, Betty Gabriel, Simon Maiden

Genre: Acção, Ficção-Científica, Terror, 2018, 100 min

  • Cláudio Alves - 75
75

CONCLUSÃO

Para além de um dos maiores nomes do cinema de terror atual, Leigh Whannell é agora um dos realizadores de filmes de ação mais promissores do momento. “Upgrade” é um objeto de entretenimento anti cerebral, cheio de sequências excitantes, cores saturadas e um elenco que sabe perfeitamente o tipo de filme de série B em que está e trabalha no sentido de elevar os prazeres do espetador sem tentar encontrar complexidade onde ela não existe.

O MELHOR: As cenas de luta, especialmente a primeira, onde o espetador é arrebatado pelas escolhas do realizador, especialmente no que diz respeito ao uso da câmara e seus bizarros movimentos simetricamente centrados na figura de Marshall-Green.

O PIOR: Asha, que é pouco mais que um mecanismo narrativo para motivar Grey na sua missão de vingança e não uma personagem legítima.

CA

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