Ruby Sparks – Uma Mulher de Sonho, em análise

Título Original: Ruby Sparks

Realizador: David Frankel

Elenco: Paul Dano, Zoe Kazan, Annette Bening, Antonio Banderas

Género: Comédia, Romance, Drama

Big Picture | 2012 | 104 min

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Poderá muito bem ter sido no mito grego de Pigmalião que Zoe Kazan encontrou a inspiração para Ruby Sparks – Uma Mulher de Sonho, a comédia romântica sobre o fascínio e os limites da magia da criação que estreou entre nós nesta primeira semana de Setembro.

Vítima da mais violenta enfermidade artística – o bloqueio criativo – Calvin (Paul Dano), um jovem e talentoso romancista, tenta por termo à vida solitária com a criação de uma nova personagem inspiradora que, qual sonho arrebatante, é capaz de o amar. E eis que Ruby Sparks (Zoe Kazan) de seu nome lhe aparece, em carne e osso e literalmente, do outro lado da cama.

Se os genes não fazem tudo, é certo que, pelo menos, ajudam. Neta de Elia Kazan (A Leste do Paraíso, 1955), e filha de Robin Swicord (argumentista de O Estranho Caso de Benjamin Button, 2008) e Nicholas Kazan (argumentista de Matilda, 1996), Zoe Kazan estreia-se na escrita do argumento de Ruby Sparks , onde interpreta a personagem titular.

O filme pertence-lhe, inequivocamente. Já que Hollywood é tão acusada de não produzir personagens femininas interessantes em número suficiente (admito que me incluo na frente dessa revolta), Kazan atacou o problema pela raiz na criação de Ruby Sparks, que em resposta à presença intimidante da “femme fatale” noutras paragens, apresenta uma espécie de “femme de couleur” que tem aflorado nos últimos anos no cinema indie norte-americano – como a eterna Clementine de ‘O Despertar da Mente’, ou a dinâmica Sam de ‘Garden State’ ou a primaveril Summer de ‘(500) Dias com Summer’.

A mecânica das relações amorosas e, no fundo, da vida é minuciosamente analisada – a mudança constante da natureza do controle, a dinâmica das personalidades em choque e a idealização, definição e redefinição do amor, o ciúme, o medo, as dúvidas de identidade. Pode ser um terreno traiçoeiro, aquele que se caminha entre a atração primordial e o assentar das hostes num relacionamento sério, e Ruby Sparks tem a partilhar uma séria lição sobre esse trilho.

O argumento é uma mistura inteligente de comédia de alto escalão, referências literárias de luxo, e uma exposição elaborada sobre a natureza das relações e do que procuramos nelas. A boa notícia é que Kazan não torna tudo “perfeito e bonitinho”, e somos presenteados com um exercício persuasivo, mesmo quando mergulha nos volteios mais espinhosos do trato, numa criação que toma direções a fazer lembrar a história de Frankenstein.

Por mais que apeteça prezar este esforço genuíno de equipa, não cegamos perante as suas faltas. A crise obrigatória que se inicia no final do segundo ato é um cliché, algumas peripécias pressentem-se à distância (como a última frase digitada por Calvin), e o final é dolorosamente previsível – uma coroação pouco capaz quando comparada ao elevado nível de qualidade do material que o antecede.

Jonathan Deyton e Valerie Faris voltam a partilhar a carreira de realização, algo que não faziam desde o indie-hit-movie de 2006, ‘Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos’. Compreendendo a essência e a importância da história que adaptam, a sua postura é incrivelmente flexível – basta colocar a câmara no sítio certo, e retocar a cena ao de leve para que a magia tenha lugar.

Um casal real dirige um outro casal real que, por sua vez, interpreta um casal fictício. Mel a mais? Aparentemente sim, mas factualmente não.

Paul Dano vem provar, uma vez mais, que é um dos mais versáteis e talentosos atores da sua geração com o retrato doloroso de uma personagem na qual nos revemos. Todas as emoções são amplificadas ao máximo, e é deixada a prova de como alguém é capaz de fazer da inspiração, do amor e da dor um enorme espetáculo.

Por outro lado, Kazan é frenética, encantadora, assustada, divertida, pegajosa, emocional e despregada, e a sua Ruby Sparks carrega em si toda a vivacidade (e sonhos) do mundo. A química com Dano é eletrizante.

Nos secundários, e além do essencial irmão de pés assentes no chão interpretado com rigor e graça por Chris Messina, destacam-se, obviamente, o alegre núcleo familiar de Calvin – a mãe hippie, Annette Bening e o padrasto naturalista, Antonio Banderas.

Parte veículo de moralidade, parte meditação cinematográfica, parte romance inventivo luxuosamente adornado, é o tónico perfeito para uma noite de final de Verão.