O Lobo de Wall Street, em análise

 

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  • Título Original: The Wolf of Wall Street
  • Realizador: Martin Scorsese
  • Elenco: Leonardo DiCaprio, Jonah Hill, Margot Robbie
  • Género: Biografia, Comédia, Crime
  • ZON Audiovisuais | 2013 | 180 min

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Imaginem-se vestidos para uma festa glamourosa na melhor avenida da cidade, quando descobrem que esse evento é, afinal, um espetáculo de striptease onde os vossos honrados amigos se encontram em posições menos respeitáveis, com acompanhantes de origem duvidosa, peças de roupa a menos e estupefacientes a mais. É esse o estado de choque com que recebemos “O Lobo de Wall Street”.

Que entre o desfile da banda intinerante. Abram alas para a devassidão, a libertinagem, e o deboche orquestrados por Martin Scorsese na potência máxima da escandaleira dos ladrões de colarinho branco.

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Mas vamos ao início – é um relativamente inocente Jordan Belfort aquele que chega, embebido em esperança e ambição, a Manhattan com apenas 22 anos para o seu primeiro dia de trabalho em Wall Street. Apadrinhado pelo corretor veterano interpretado por mais um laivo de inspiração divina de Matthew McConaughey, Belfort aprende que apenas duas coisas o ajudarão a subir na vida e no universo da bolsa: 1º tem de relaxar e 2º tem de começar a juntar cocaína à sua lista de bens-essenciais do dia-a-dia.

A sorte (ainda) não está do lado de Belfort, que vê a Segunda-Feira Negra de 1987 despejá-lo no desemprego. A contar tostões num país que subitamente deixou de ver nos corretores as suas “estrelas de rock santificadas”, Belfort aplica os seus dons (quase) sobrenaturais numa humilde firma que vende ações de baixo custo. Como o céu se abriu para os Pastorinhos receberem Fátima, o Inferno bafejou a chama incendiária que estalou a ideia de Belfort.

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A premissa por detrás da escalada de inclinação exponencial para a riqueza e o poder é complexa, mas apresentada à audiência de forma relativamente simples: resumindo, Belfort começou por vender ações normais a indivíduos ricos e depois de ter ganho a sua confiança começava a vender-lhes ações duvidosas e de baixo valor, onde arrecadaria uma comissão de 50% por venda, em vez do tradicional 1%. Foi esta ilegal descoberta da roda dourada (só depois, eventualmente, chegaram os subornos, branqueamento de capitais, insider trading e por aí fora) que tornou rapidamente Belfort e os seus sócios ricos além da imaginação.

Estava estendida a passadeira vermelha do surrealismo monetário, com milhões de dólares a choverem ao longo de uma simples semana de cinco dias úteis. O exército liderado por Belfort, que lhe responde com explosivos gritos de guerra aos inspirados discursos dignos de uma invasão Espartana aos corredores da Bolsa, é uma tropa de elite no momento de ataque, e um grupo de macacos descontrolados entre o bacanal das festas Gatsbianas que temperam os horários de descanso.

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E o alcance dos seus feitos, seja a mirar anões em targets gigantes, ou a rodar prostitutas pelo escritório inteiro, ou a alinhar cocaína como se de uma autoestrada para o paraíso se tratasse é capaz de envergonhar e mandar para a cama com biberão os protagonistas d’ “A Ressaca”.

Eventualmente, e compreensivelmente, o FBI começa a farejar o caso, e nada bate certo. Quando a espiral insana de Belfort começa a desmoronar-se, na última secção do filme, a mudança de tom ameaça o quadro de Scorsese, e a audiência percebe-o. É a chamada “conclusão ressacada”, que não consegue acompanhar totalmente a explosão inebriada do primeiro ato.

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Transformar esta besta hiperativa num filme de três horas terá sido, provavelmente, uma ambição gulosa de difícil digestão para grande parte da audiência.

O filme – e, sobretudo os seus intervenientes – vêem-se tão embrenhados nesta frenética criação que levam à colocação em questão da necessidade de uma duração de três horas para contar uma história de humor negro, à qual uma bem medida hora e meia chegaria. A segunda questão que surge é, no entanto, tentadora: quantas vezes aparecerá uma história debochada como esta com Martin Scorsese pronto a realizá-la?

O nosso Lobo – Leonardo DiCaprio – teve uma tarefa duríssima. As personalidades espalhafatosas são a materialização do gozo maior para um ator em metamorfose, mas são as suas peculiaridades e subtilezas – elas existem em Belfort, por mais difícil que seja vê-lo – que separam uma interpretação boa de uma de excelência. A de DiCaprio pertence à última categoria, e é um retrato empolgante e empolgado de um homem que, além dos seus inquestionáveis dons, era desprezivelmente interessante e divertido.

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A maior parte do enredo e das aventuras que o colorem foram retiradas da memória homónima escrita por Belfort. Alguns dos episódios mais surreais têm o inacreditável selo do “verídico”, e nada mais podemos fazer que não recolher cuidadosamente o queixo do chão, uma e outra vez.

Esta exibição pornográfica de luxo, poder e sexo não se amontoa para construir um conto moral sobre a corrupção e ao deboche. Todavia, também não os glorifica. Ao contrário é uma acídica, elétrica e bem calibrada comédia negra, uma ode à decadência e ao hedonismo, e uma farsa épica que mistura o melhor de “Tudo Bons Rapazes” com uma versão moderna do Império de Calígula.

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Está reservado para os grandes filmes, os verdadeiramente especiais, o dever de nos questionar. O facto de “O Lobo de Wall Street” se distanciar mais ou menos do estatuto de obra-de-arte não contribui, todavia, para que deixe inquietantes perguntas à nossa consideração: estamos a olhar para o comportamento desviante ou para um espelho? É a ganância uma característica do indivíduo psicótico ou um traço indiluível da natureza humana que contribui, inclusive, para a evolução da nossa espécie?

As respostas, essas, estão prontas para abalar o seu mundo.

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