12 Anos Escravo, em análise

 

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  • Título Original: 12 Years a Slave
  • Realizador: Steve McQueen
  • Elenco: Chiwetel Ejiofor, Lupita Nyong’o, Michael Fassbender
  • Género: Drama, Biografia
  • ZON Audiovisuais | 2013 | 134 min

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A crueldade e o desespero eram os motores de um sistema regido pelo lucro, e nada havia a fazer para lhe escapar. É este o universo de “12 Anos Escravo”, e é esta a constatação que enfurece, deixando-nos capazes de gritar até enrouquecer.

Na materialização visual das memórias de Solomon Northup, este era um homem negro e livre que em 1841 foi raptado e vendido como escravo. Numa questão de horas, Northup passou de um respeitável membro da sociedade – com mulher, dois filhos e uma carreira promissora – a um animal de trabalho.

À sua espera está um desfile de espancamentos, linchamentos, violações e brutalidades inexplicáveis, num buraco negro, algures em Nova Orleães, onde a humanidade há muito deixou de lutar para respirar.

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O realizador, Steve McQueen, abandona o estilo mais austero e distanciado de “Fome” e “Vergonha”, em detrimento de uma abordagem mais convencional, destinada a apelar a audiências mais alargadas e a ajudar a consolidá-lo como um dos definitivos filmes do ano – quiçá, da década.

Mas este trilho que desagua no tratamento mais tradicional de um material originalmente forte não lhe retira, por isso, a força ou significância. Pode dizer-se até que se recusa veementemente a negar-se ao encobrimento dos atos mais vis, ou ao acrescentamento supérfluo de um gesto de bondade e esperança onde só existe desespero e anseio pelo fim.

Apesar de um trabalho de montagem nem sempre fluído e algumas opções estruturais e artísticas discutíveis, McQueen nunca se engaja no show-off vazio ou cai na tentação de exagerar a sua técnica. Tudo o que nos é apresentado aterra com o impacto de um cataclismo natural, e a fúria silenciosa que se instala é esmagadora.

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O centro das operações é alimentado pela performance notável de Chiwetel Ejiofor, que surge aqui no seu papel mais essencial até ao momento. Com dor e desespero em cada olhar, Ejiofor consegue construiu uma personagem complexa cujas lutas complexas nos assaltam. É uma abordagem digna e subtil mas cheia de nuances.

Na sua terceira colaboração consecutiva com McQueen, Michael Fassbender abdica do assento de protagonista, mas não é por isso que oferece um retrato menos marcante. O desvario com que encarna a crença da superioridade caucasiana só é superada pelos seus inesperados acessos de raiva. Epps é um monstro, e uma criação baseada na crueldade, mas é a partir do momento em que decidimos analisá-lo como uma personagem não tão linear assim que o trabalho de Fassbender se torna ainda mais fascinante.

Todavia, talvez a mais impressionante performance seja mesmo a de Lupita Nyong’o, uma estreante que nunca adivinharíamos como tal, mas cuja entrega total é o testamento de um talento inegável que não podemos (nem queremos!) perder de vista. A sua jornada é trágica, revoltante e absolutamente esmagadora ao ponto de nos quebrar, de joelhos, no chão ensanguentado.

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O restante elenco é bastante sólido, com contribuições vitais de Benedict Cumberbatch, Sarah Paulson, Alfre Woodard, Paul Dano e Paul Giamatti. O único apontamento negativo reserva-se para Brad Pitt, que além de ser instrumental na produção do filme, ainda tomou um pequeno (mas crucial) papel de um tolerante trabalhador Canadiano. Além de um sotaque algo distrativo (que assentava bem em “Inglourious Basterds”), Brad acaba por sofrer por ser… Brad, parecendo inclusive um personagem de passagem, quem sabe, oriundo de um filme menor e incrivelmente mais convencional.

Apesar do final “feliz” – afinal, Northup viveu para contar a sua história – o filme de McQueen não é um crowd-pleaser ou um veículo hipócrita para levantar o ânimo. Nenhuma conclusão seria capaz de apagar o horror que a precedeu, num universo onde cada sentimento e cada transação foi retorcida pelo contacto tóxico com a escravidão.

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No ano passado, a abordagem formal e política de Spielberg (“Lincoln”) distanciou os ecos de desespero de um povo injuriado além do que as palavras têm a cortesia de descrever, enquanto o “Django Libertado” por Quentin Tarantino foi o fio condutor de uma vendetta prometida que nunca chegou a principiar.

Restou, assim, a “12 Anos Escravo” bater o punho na mesa.

É fácil desviar o olhar e esquecer, por obra da conveniência. O difícil é encarar de frente, sentir o odor fétido da putrefação da civilização e reconhecê-lo como parte de nós.

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Sentados ali, na sala escura, somos invadidos pelos flashes da lembrança dolorosa da Alemanha Nazi, do genocídio do Ruanda, do conflito de Darfur, das carnificinas e dos massacres onde a humanidade se soterrou na loucura, mas sobretudo dos indivíduos – aqueles que pereceram numa “luta” desigual, desenfreada e injusta e aqueles que, movidos por uma crueldade que se julga razão, subverteram o sistema para uma manifestação perversa da brutalidade de que somos capazes.

No final, e ao longo dos dias, o silêncio macera-nos a alma. O que “12 Anos Escravo” torna impiedosamente claro é que poderíamos ter sido ou continuaremos secretamente a ser qualquer uma dessas pessoas: as vítimas sacrificadas ou os seus desumanos ofensores.

E é não só mas sobretudo por colocar tão inquietante questão na mesa que McQueen cirou uma obra para a posteridade.



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