Berlinale 66 (Dia 5): Quando o cinema vai à literatura

 

Um misto de farsa com retoque de cinema mudo, é assim que se pode caracterizar ‘Posto Avançado do Progresso’, de Hugo Vieira da Silva, apresentado ontem na secção Fórum. A competição da Berlinale continuou com mais dois filmes apenas interessantes: Mort à Sarajevo do realizador bósnio Danis Tanovic e Alone in Berlin, do actor-realizador suíço Vincent Perez, em dia de adaptações da literatura ao cinema.

Passado nos finais do século XIX, Posto Avançado do Progresso, de Hugo Vieira da Silva, (Swans, 2011), conta a história de dois funcionários coloniais portugueses colocados num isolado posto de negociação do marfim, nas então mal definidas fronteiras portuguesas de África. Enquanto o gordo Sant’Anna (Ivo Alexandre) se embebeda ou diverte-se com os nativos, o recém-chegado e autoritário João de Mattos (Nuno Lopes), é atingido pela malária. No isolamento na selva, a quebra do negócio, a desconfiança em relação ao nativos faz aumentar a tensão e a desilusão dos dois homens. Evoluindo em três partes, o conto de Joseph Conrad, adaptado por Hugo Vieira da Silva é uma curiosa farsa do destino de Sant’Anna e João de Mattos, que resulta num filme lento, mas com imagens fascinantes que combinam efeitos visuais com a linguagem do cinema mudo.

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‘…uma parábola satírico-política sobre sonhos e pesadelos de uma Europa unida e as consequências de conflitos como a guerra da Balcãs…’

O oscarizado bósnio Danis Tanovic (No Man’s Land) e cujo o seu último filme An Episode in the Life of Iron Picker, exibido na competição na Berlinale em 2013, regressou agora com este Mort à Sarajevo, baseado numa peça intitulada ‘Hotel Europe’, da autoria do filósofo francês Bernard Henry Levi. Trata-se de uma parábola satírico-política sobre sonhos e pesadelos de uma Europa unida e as consequências de conflitos como a guerra da Balcãs. O Hotel Europa, é como que uma representação desses conflitos (laborais no filme) e que Tanovic retrata em Mort à Sarajevo, nas suas passagens e nas personagens que se movimentam da lavandaria até ao ensolarado terraço, onde é gravado um programa de televisão. O Hotel Europa de Mort à Sarajevo transforma-se numa arena de esperança, violência e morte, num filme que se tornaria mais curioso se soubessemos mais ainda sobre a história do nosso continente.

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‘…um filme bem intencionado e um grande elogio à coragem e dignidade humana numa atmosfera de vigilância e intimidação.’

Alone in Berlin, do actor-realizador suíço Vincent Perez é um adaptação do último romance do alemão Hans Fallada (1893-1947) e uma apenas singela homenagem a Otto  (Brendan Gleeson) e Elise Hampel (Emma Thompson), um casal residente em Berlim, que resistiram aos nazis entre 1940 e 1943 e que foram decapitados pelas suas ações, de distribuição clandestina de postais com mensagens anti-Hitler. Este romance já foi várias vezes adaptado ao cinema e à televisão e é considerado como um testemunho autêntico da vida em Berlim durante nazismo. Perez é um actor muito simpático mas faltam-lhe unhas para dirigir um filme de época, e dois colegas com a dimensão de Gleeson e Thompson, que brilham obviamente nas suas interpretaçõers. Vale ser um filme bem intencionado e um grande elogio à coragem e dignidade humana numa atmosfera de vigilância e intimidação.

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José Vieira Mendes  (Em Berlim)

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