©Pris Audiovisuais

76º Festival de Cannes | Jeanne du Barry, a favorita

O 76º Festival de Cannes abriu ontem à noite com o charme e sedução de uma ‘Jeanne du Barry’, num filme de época da realizadora-actriz francesa Maïwenn. Ela própria interpreta muito bem, a favorita real e Johnny Depp o rei Louis XV. Mas, o Rei da Noite foi o actor e produtor Michael Douglas.

Maïwenn (Meu Rei) e Johnny Depp, foram as primeiras estrelas a subir a passadeira vermelha e a satisfazer as centenas de fãs que estavam à porta do Grande Auditório Lumière para sacar um autógrafo ou uma selfie. No entanto, a dupla não tem passado incólume, cada um à sua maneira, nas últimas semanas nos mídia franceses. Maïwenn agrediu, alegadamente, o jornalista Edwy Plenel, o fundador do Médiapart — um site independente de jornalismo de investigação — cuspindo-lhe num restaurante parisiense. Em questão parecem estar, uma série de artigos publicados na imprensa francesa, com origem no site, sobre uma suspeita de violação contra Luc Besson, ex-marido da estrela e que muito a ajudou na carreira, apesar da separação. Quanto a Johnny Depp continua muito mal visto por parte da opinião pública internacional, desde o seu longo processo que o opôs à sua ex-mulher, Amber Heard. Porém, ao lado das polémicas e escândalos, existe um filme-espectáculo, dirigido ao grande público que gosta de obras históricas e que gira igualmente à volta de questões sociais controversas, da casa real francesa absolutista, durante o século XVIII e que antecederam à Revolução Francesa. Trata-se também do primeiro filme de fantasia-ficção da realizadora que habitualmente expõe nos seus filmes sempre algo de muito realista, saído da sua experiência pessoal ou dos que lhe estão próximos. É ainda, o primeiro filme francês recente sobre um tema da monarquia, que abre portas a um género bastante apreciado pelo público francês, que aos poucos, pelos números publicados, vai regressando às salas de cinema. Durante anos, — ao que parece desde que viu ‘Marie Antoinette’ (2006), de Sofia Coppola — que Maïwenn era uma obcecada pela figura de Jeanne du Barry, a última favorita do rei Luís XV, o Bem Amado. Viu nessa personagem, uma ancestral das feministas, inclusive porque Jeanne du Barry, ousou nesse tempo e desafinado as convenções da época, a vestir roupas masculinas.

Lê Também:   76º Festival de Cannes | Na Grelha de Partida (Dia 1)
Festival de Cannes 2023
©Pris Audiovisuais

Neste filme, rodado em 35 mm, que é já por si hoje em dia um luxo na dinâmica indústria francesa, os aspectos históricos jogam em igual medida com o retrato de uma mulher que pouco tem a ver com etiqueta e as convenções da época, sobretudo da aristocracia real: na presença do rei, não se podia olhá-lo diretamente nos olhos ou não se podia, em nenhum caso, virar-lhe as costas. Jeanne du Barry acabou por atrair o rei Luís XV exactamente porque era uma mulher diferente, autêntica e solta. De qualquer forma, é isso que entendemos neste filme, onde vemos uma Maïwenn, que é ela própria Jeanne du Barry na sua forma de estar e ser: a actriz representa-se a ela própria como a Jeanne, uma mulher que é livre, que adora rir, brincar e que sobretudo devora livros. É ainda uma Maïwenn, que tem uma enorme influência sobre o rei, num papel muito bem desempenhado por Johnny Depp  fluente em francês, devido ao seu ex-casamento com Vanessa Paradis — que vimos muito mais inspirado que antes, mesmo que por vezes pareça regressar às expressões faciais do seu Jack Sparrow, em ‘O Pirata das Caraíbas’.

VÊ TRAILER DE ‘JEANNE DU BARRY’

O retrato das intrigas da Corte está igualmente muito bem descrito neste filme, que representa um microcosmo social, que ainda está longe de suspeitar que já está em curso uma revolução, que vai por em causa, os poderes, os rituais antigos e códigos sociais. Os clãs, entre os partidários de Jeanne du Barry e os seus adversários — basicamente a família real ou melhor as 3 filhas de Luís XV, que se parecem ridiculamente com irmãs-más da Cinderela ao que se lhe junta de uma forma hostil, a recém-chegada Marie Antoniette, ao contrário de o Delfim, o futuro Luis XVI, que aceita e protege Jeanne —, tentam ter sempre o poder ao seu lado. Porém, nesta versão da história, é o amor que triunfa, um amor louco, entre Jeanne du Barry e Luis XV, que ultrapassa todos cânones sociais, até que um dia o rei morre de sarampo e tudo se precipita.

Lê Também:   76 º Festival de Cannes: A Selecção Oficial 2023
Festival de Cannes 2023
Michael Douglas © Folamour

O filme, que tem um guarda-roupa e uns penteados sublimes, foi parcialmente filmado em Versalhes. Isso permite inevitavelmente, fazer uns planos magníficos muito bem fotografados tanto do alto, como à superfície exterior dos jardins e lago, embora um pouco repetidos; mas também proporciona cenas grandiosas filmadas no interior, que é pena não terem sido mais, para vermos mais a beleza do palácio. Em particular uma maravilhosa cena da entrada de Jeanne na Corte, toda vestida de branco, filmada na famosa Sala dos Espelhos. Em torno do casal formado pelo soberano e a sua favorita,  giram um conjunto de interessantes personagens como a do criado de Sua Majestade, interpretado de uma forma notável e serena por Benjamin Lavernhe; e o Duque de Richelieu, encarnado pelo singular e veterano actor Pierre Richard. Para além de uma história de amor louco, as linhas seguidas pela realizadora, para essa reconstituição histórica tem também talvez propositadamente um tom de comédia, mesmo que o final e saberemos pela história verdadeira, acabe em tragédia. É mais uma vez uma forma de segurar o espectador, para este sumptuoso drama histórico, que não é uma obra prima, mas que se vê com prazer. Quem não gostava de ter uma Jeanne du Barry, como esta ao seu lado?

Lê Também:   Antevisão | 'Marinheiro das Montanhas', as raizes de um cineasta
Festival de Cannes 2023
© Amandine-Goetz/FDC.

Ontem, em plena cerimónia de abertura do 76º Festival de Cannes, apresentada por Chiara Mastroianni, foi homenageado com uma Palma de Ouro Honorária, o actor e produtor norte americano Michael Douglas, um dos meus heróis dos anos 80 — e de muitos da minha geração — que alimentou muito o meu universo cinéfilo, com filmes inesquecíveis como ‘Atracção Fatal’, ‘Instinto Fatal’, ‘Wall Street’, entre outros. Os aplausos para Michael Douglas, que na passadeira vermelha fez-se acompanhar pela mulher Catherine Zeta-Jones e a filha Carys, duraram bastante em pleno Grande Auditório Lumière, antes da projecção de ‘Jeanne du Barry’, de Maïwenn. Com Catherine Deneuve em palco — o rosto do cartaz deste ano — ambos abriram oficialmente o 76º Festival de Cannes. Antes disso tive oportunidade de assistir online — num link disponibilizado pelo Festival — ao documentário ‘Michael Douglas, o Filho Pródigo’, de Amine Mestari, uma produção da Arte France e Folamour Productions, com a participação do Ciné+, feita propositadamente para esta homenagem, que dificilmente chegará às salas de cinema ou ao streaming nacional. Trata-se de um documentário excepcional que nos mostra como o actor e produtor Michael Douglas, sempre injustamente comparado com o pai Kirk Douglas, teve ao longo da sua excecional carreira, de aceitar a sua semelhança para afirmar a sua diferença, mostrando que nunca viveu à sombra do seu progenitor. 

JVM

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *