Queer – análise
No mês do Orgulho LGBTQIA+, chega finalmente às salas de cinema o filme “Queer”, de Luca Guadagnino, uma adaptação do ‘romance maldito’ de William S. Burroughs. Mas a verdadeira surpresa? Daniel Craig — sim, o ex-007 — como um escritor gay, drogado, apaixonado e perdido na Cidade do México dos anos 50.
Depois de anos a salvar o mundo com um fato justo e um martini na mão, Daniel Craig pendura a arma (e a heteronormatividade) para interpretar William S. Burroughs em “Queer”, o novo filme de Luca Guadagnino que estreia, com toda a pontaria, em pleno mês do Orgulho. Se alguém duvidava que Craig tinha mais para dar além de olhares glaciais e explosões, prepare-se: o ex-Bond é agora William Lee, alter ego do autor beat, perdido entre bares, ayahuasca e paixões tóxicas no México dos anos 50.
Um filme queer que tardava em estrear
“Queer”, o filme e o livro, têm uma história atribulada. O romance foi escrito em 1952 mas só viu a luz do dia em 1985, porque na América conservadora da altura, um homem gay, viciado e alucinado a tentar amar outro homem, era demais. Trinta e tal anos depois, Luca Guadagnino concretiza o seu sonho de adolescente: adaptar ao cinema essa história meio real, meio delírio, que Burroughs escreveu em plena crise existencial. E fá-lo com todos os ingredientes que nos habituou: corpos em transe, desejo sem vergonha e uma realização de cortar a respiração ou melhor soltar um risinho cúmplice. Depois esteve quase a não estrear em Portugal, até que a Filmes4You decidiu lançá-lo nas salas de cinema com verdadeiro sentido de oportunidade.
“Queer” com Q maiúsculo e um Bond desatinado
Craig entrega-se ao papel com uma intensidade rara e, sejamos francos, é uma lufada de ar fresco vê-lo finalmente apaixonado por alguém que não tenta matar ou salvar do apocalipse. O seu William Lee é patético, ternurento, obsessivo e auto-destrutivo, tudo ao mesmo tempo. Ao lado dele, o actor Drew Starkey (“Hellraiser”) interpretando um jovem que acende a chama, num jogo de sedução e fuga que nos leva até à selva da América Latina, em busca de ayahuasca e talvez de um bocadinho de paz interior.
Sexo, drogas e literatura beat
Decididamente este não é um filme para os pudicos ou homofóbicos. Digo-vos eu e Guadagnino também avisou logo: há cenas de sexo ousadas, sequências psicadélicas e muita ambiguidade. O realizador cita até “Os Sapatos Vermelhos” de Powell e Pressburger como influência estética, num cruzamento improvável entre ballet clássico e libertinagem queer. Tudo filmado nos míticos estúdios da Cinecittà, com uma Cidade do México dos anos 50 reconstruída com requinte e cor. A música fica a cargo dos mestres Trent Reznor e Atticus Ross, que aqui trocam o tecno-existencial por uma banda sonora que pulsa com desejo e inquietação.
O filme que o Orgulho precisava — e Daniel Craig também
“Queer” é um delírio gay? Sim é sem dúvida. É um statement político? Também. Mas acima de tudo é uma viagem — literal e figurada — ao coração escuro do desejo, da perda e da obsessão. E se alguém ainda duvidava da versatilidade de Daniel Craig, este é o filme que diz: licença para amar…quem vos apetecer.
JVM
“Queer”, a Crítica | Daniel Craig em modo gay com licença para amar
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José Vieira Mendes - 75
Conclusão:
Com “Queer”, o realizador italiano Luca Guadagnino não só adapta um romance maldito, como dá corpo e alma a uma obsessão feita cinema e fá-lo com escândalo, elegância e uma piscadela de olho a quem achava que um filme queer teria de ser bem-comportado. Daniel Craig, por sua vez, parece libertar-se de décadas de contenção em nome do serviço secreto de Sua Majestade, mergulhando de cabeça (e de corpo inteiro) na pele do escritor beat norte-americano William S. Burroughs. Este é um filme que celebra o excesso, a fragilidade e o desejo sem filtros e que chega, felizmente, no mês certo, com o timing perfeito e o protagonista mais inesperado de sempre. Não é apenas uma provocação: é um grito de liberdade. E Craig? Craig já não precisa de salvar o mundo. Agora, basta-lhe ser humano.
Overall
75User Review
( votes)Pros
O Melhor: Daniel Craig sai fora da sua zona de conforto com uma entrega surpreendente, vulnerável e perturbadora. A realização sensual de Luca Guadagnino, que filma o desejo como se fosse uma febre tropical. A recriação da Cidade do México dos anos 50 em Cinecittà, cheia de cor, decadência e atmosfera. A banda sonora de Trent Reznor e Atticus Ross, quase que nos envolve num transe emocional e alucinogénico.
Cons
O Pior: Narrativa fragmentada e algo dispersa, que pode afastar quem espera um enredo linear ou respostas claras. O ritmo contemplativo, que por vezes roça o arrastado e exige paciência não é filme de pipoca. A personagem de Drew Starkey, bela mas subdesenvolvida, serve mais de catalisador do que de verdadeiro par dramático.