"Tubarão" foi o primeiro 'blockbuster' moderno. ©Universal Pictures

Tubarão, 50 anos depois | O monstro que ainda nos faz sentir bem (vá-se lá saber porquê?)

Meio século depois, o “Tubarão” (“Jaws”) continua a morder. Steven Spielberg criou o blockbuster, arruinou (sem querer) a reputação dos tubarões e, vá-se lá saber como, este filme de terror ainda nos faz sentir bem. “Tubarão” não é apenas um clássico é um caso raro de terror reconfortante e, surpreendentemente, saudável.

Há filmes que envelhecem mal, outros que desaparecem nas marés da memória, e depois há “Tubarão” de Steven Spielberg. Cinquenta anos depois de ter chegado aos cinemas com dentes afiados e uma banda sonora que ainda hoje provoca taquicardia, o clássico de Spielberg continua a nadar firme no imaginário coletivo. Foi o primeiro blockbuster moderno — o modelo dos grandes lançamentos que hoje associamos a “Star Wars”, “Jurassic Park” ou os filmes da Marvel —, criou filas, pesadelos e uma nova forma de ver o verão.

Não apenas como tempo de praia, mas como altura para a evitar, sobretudo quando está muito cheia. E, contra todas as probabilidades (e membros decepados), “Tubarão” sobrevive não só como um grande filme de terror, mas como uma espécie de ‘feel good movie’ de eleição. Um abraço com dentes. Vai-se lá perceber o ser humano…Há gostos para tudo.

Tubarão
O trio improvável do bote. ©Universal Pictures

O verão em que o cinema mordeu primeiro

Antes de “Tubarão”, o verão era sinónimo de salas de cinema vazias, reprises sem fim e aquele clássico infalível que voltava todos os anos ao cartaz: “Música no Coração”. Mas em 1975, Spielberg mudou a maré. De repente, ir ao cinema em junho — ou melhor, no início do verão — tornou-se num evento internacional. Havia filas, histeria, sustos e milhões a jorrar nas bilheteiras norte-americanas (e escudos nas nossas), como quem abre uma torneira de água salgada. O segredo? Uma história simples: três homens num barco, um tubarão que raramente aparece e uma música de duas notas que ainda hoje acelera o batimento cardíaco.

O infame ‘Bruce’, o tubarão mecânico, passava mais tempo parado do que em acção, o que obrigou Spielberg a ser criativo. O resultado? Terror psicológico servido em doses perfeitas. Hitchcock, lá onde estivesse, podia sorrir com orgulho, pois já tinha seguidor.

Como assim, um feel good movie?

Pois, também custa a acreditar. Como é que um filme com membros arrancados e gritos de pânico se tornou num feel good movie? A verdade é que “Tubarão” tem qualquer coisa de reconfortante. Talvez seja o trio improvável (Roy Scheider como Brody, Richard Dreyfuss como Hooper e Robert Shaw como Quint), com as suas discussões de taberna, falhas humanas e momentos de coragem. Talvez seja o ritmo certeiro, o humor seco, a tensão bem doseada.

Ou talvez seja o facto de já sabermos que tudo corre mal… mas no fim, vá, até corre bem (para quase todos). Há barbatana à superfície da água, há sangue, há sustos. Mas também há catarse, heroísmo, e aquela sensação estranha mas agradável de que, se sobrevivermos ao tubarão, sobrevivemos a tudo. Nem que seja na próxima reunião de condomínio.

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Tubarão
Roy Scheider como Brody numa das cenas de “Tubarão”. ©Universal Pictures

O filme que arruinou a reputação dos tubarões

A parte menos simpática da história: “Tubarão” deixou também um rasto de sangue… fora dos ecrãs. De repente, os tubarões passaram a ser vistos como assassinos do mar, e seguiram-se décadas de caça desenfreada. O próprio Spielberg já confessou arrependimento por ter sido involuntariamente o pai deste “genocídio aquático”. Peter Benchley, autor do romance que deu origem ao filme, tornou-se activista pela conservação marinha.

Hoje, há um esforço coletivo para limpar a imagem dos tubarões. Documentários, filmes com abordagem ecológica e até tubarões fofinhos em filmes de animação tentam mudar a narrativa. Mas basta ouvir dois segundos de ‘dum-dum, dum-dum’ e estamos de volta à praia de Amity Island, com os olhos bem abertos e os pés fora de água.

Steven Spielberg
Spielberg arruinou a reputação dos tubarões. ©Universal Pictures

Um clássico que é mais do que dentes (de tubarão)

“Tubarão” é muitas coisas: um thriller de verão, uma parábola política, uma fábula ambiental, uma viagem épica com três homens num barco demasiado pequeno para tanto trauma. Há quem o veja todos os anos como ritual. Há quem não ponha os pés no mar desde 1975. E há quem ache que o filme fala, afinal, dos nossos medos mais contemporâneos: liderança incompetente, perigos invisíveis, decisões políticas mal calculadas (olá, pandemia!).

E depois há quem o veja simplesmente porque é bom cinema. Bem filmado, bem montado, bem escrito. Um filme onde nada é deixado ao acaso, mesmo quando tudo parecia estar a correr mal. O tubarão falhava, mas o medo era real. E talvez por isso tenha funcionado ainda melhor.

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Tubarão
Tubarão, cartaz original de 1975. ©Universal Pictures

No fundo, é um filme sobre nós (humanos)

É um filme sobre um predador, mas, no fundo, também é sobre nós a Humanidade. Sobre o medo, a coragem, e a forma como reagimos quando o mundo nos morde os calcanhares. Porque também nós temos os nossos tubarões interiores, reais, metafóricos ou imaginários. Seja num grande ecrã com pipocas ou no sofá com o ar condicionado ligado e uma cervejinha na mão (e um olho no aquário), “Tubarão” continua a nadar nas águas profundas da cultura pop global.

Inventou o verão cinematográfico moderno, inspirou milhares de imitações (e sharknados), e provou que até os monstros podem ter lugar no nosso coração, sobretudo se tiverem banda sonora de John Williams. E agora, como dizia o cartaz original: “Veja Tubarão… antes de ir nadar.” Ou melhor ainda: veja-o antes que a Netflix o remasterize em CGI e transforme a moral da história numa alegoria inclusiva passada numa start-up vegan à beira-mar.



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