Superman: O novo Clark Kent dá um salto na direção certa
James Gunn arranca o motor do novo Universo DC com um “Superman” solarengo, humanista e ligeiramente perdido em tanto ruído de franchise. Um reboot que voa… mas nem sempre para onde devia. O que é que ainda nos falta ver do Super-Homem? Um reality show?
Lá fui eu ao IMAX do Colombo — a grande caverna escura, aromatizada e ainda sem pipocas do futuro — ver o novo “Superman”, realizado por James Gunn, essa espécie de pastor psicadélico dos “Guardiões da Galáxia”, agora ao leme do transatlântico DC Studios.
Confesso: entrei na sala com cepticismo. Outro “Superman”? Mais um reboot? Mas este tipo de cinema já não devia estar a ser estudado em arqueologia audiovisual? Pois bem. Contra todas as expectativas e kryptonites, o “Superman” de Gunn até não desilude. Também não deslumbra. Mas voa com estilo. Um estilo retro, com filtro pastel, cheirinho a comic book e uma dose respeitável de caos narrativo.
O “S” já não é de “Super”, é de “Saturado”
Vamos falar do elefante voador na sala: o emblema “S”. Durante décadas, disseram-nos que era de “Superman”, depois virou brasão de família Kryptoniana, símbolo de esperança, tatuagem da bondade e, mais recentemente, uma espécie de logótipo corporativo para salvar o merchandising da Warner. Agora, segundo este reboot, o “S” é tudo isso… e mais o que der jeito à cena. Se há coisa que o filme acerta é no tom reverente com um pé no clássico e outro no punk-rock bondoso.
A estética é garrida, quase como se Wes Anderson tivesse tido uma noite louca com Zack Snyder num bar de comics. Gunn quer claramente voltar à alma dos quadradinhos, com diálogos que parecem saídos de balões, vilões larger-than-life e uma banda sonora que nos obriga a sentir emoção nem que seja à força de trompete.
David Corenswet: um escuteiro emocional com olhos de cão abandonado
David Corenswet agarra o fato azul e a capa vermelha com brio e vulnerabilidade. Não é o tanque musculado de Henry Cavill, nem o boy scout angelical de Christopher Reeve. É mais um ‘Superman do povo’, dos pobres e deserdados com rugas na alma e dúvidas existenciais na mochila. A sua relação com Lois Lane (Rachel Brosnahan, sempre pronta a dar-lhe na cabeça com charme) tem bons momentos, mas falta tempo e espaço para florescer.
Talvez na sequela? Nicholas Hoult é o Lex Luthor mais startup villain de sempre. Um Elon Musk depravado com planos dignos de um vilão de PowerPoint. Mas funciona. É tresloucado, manipulador e, quando precisa, meticulosamente perigoso. Um upgrade em relação ao Jesse Eisenberg de ar nervoso e cabelo molhado.
Um “Superman” mais globalizado
Trabalhando de forma efusiva e intensa, Gunn não repete a história de fundo do “Superman” (embora haja um momento comovente com o seu pai adotivo, interpretado por Pruitt Taylor Vince), e envolve a personagem numa complicação muito mais global do que estamos habituados. O inimigo do “Superman”, Lex Luthor, interpretado com uma ameaça impetuosa por Nicholas Hoult, é agora um bilionário fascista da área da tecnologia — o CEO da LutherCorp — que tem os seus tentáculos em todo o lado: na indústria, no governo dos EUA e em nações estrangeiras.
No início, o “Superman” tenta evitar a invasão de Jorharpur por Boravia, um país da Europa de Leste presidido por um autocrata de cabelo crespo e despenteado (Zlatco Burić), um instrumento de Luthor. O “Superman” irá para qualquer lado para salvar os humanos da injustiça, mas aqui parece que está um pouco perdido.
O melhor: coração, coragem e um cão chamado Krypto
Este “Superman” acerta quando põe o herói a questionar-se. Gunn tenta, e por vezes consegue, dar densidade emocional ao filme. O cão Krypto rouba todas as cenas, claro. E há uma tentativa séria de devolver ao “Superman” o que Zack Snyder lhe tirou: o sentido de humanidade.
Há ainda alguns meta-humanos a preencher quotas (Senhor Incrível, Mulher-Gavião, Lanterna Verde versão “colega irritante”), mas a coisa é tanta que parece mais o primeiro episódio de uma série do que um filme com princípio, meio e fim. David Corenswet traz alma ao herói, Krypto é um ícone e há humor com timing.
O pior: síndrome de overdose de universo partilhado
James Gunn tropeça nas suas próprias ambições. O argumento quer ser uma bíblia, um catálogo e um álbum de família tudo ao mesmo tempo. Há texto explicativo a mais, flashbacks que pedem legenda e tramas paralelas que só existem para justificar spin-offs. Gunn parece aquele amigo que organiza jantares para 40 pessoas e depois quer conversar com todas ao mesmo tempo.
O resultado é um filme que, por vezes, parece menos preocupado em contar uma história do que em vender o próximo capítulo do Universo DC. É como ver um trailer de duas horas com momentos emocionantes pelo meio. Resumindo, excesso de personagens, argumento congestionado e muito ruído de franchise.
Vale a pena? Sim. Mas não esperes a Segunda Vinda de Krypton.
O “Superman” de James Gunn não é o salvador da pátria, mas é uma lufada de ar fresco no ar viciado dos filmes de super-heróis. Tem coração, tem alma e tem vontade de entreter. Só precisava de menos personagens e mais foco. Ainda assim, é um reboot digno, que honra o espírito da BD e que, com alguma sorte e menos peso editorial, poderá vir a voar mais alto nas sequelas. Se estás farto de reboots… este é um reboot que sabe que estás farto de reboots. E por isso tenta (por vezes demasiado) agradar-te. E sabes que mais? É o suficiente.
JVM