Diane Keaton (1946–2025): A atriz fez da imperfeição um estilo de vida
Nunca quis ser símbolo de nada, mas Diane Keaton, acabou por ser tudo: liberdade, humor, elegância e coragem. Diane Keaton partiu aos 79 anos, deixando o cinema órfão da sua ironia luminosa.
Há mortes que nos apanham como uma rajada de vento, sem aviso, mas cheias de lembranças. Ontem morreu Diane Keaton. E com ela foi-se uma forma rara de ser estrela: a de quem nunca precisou de brilhar para ser vista. Tinha 79 anos e uma carreira que dispensava apresentações.
Uma vida inteira a mostrar-nos que a fragilidade também pode ser uma força e que o riso, mesmo quando nasce do desconforto, é a mais humana das resistências. Diane Keaton foi atriz, musa, mulher livre e, acima de tudo, um espírito indomável que nunca se encaixou no molde de Hollywood, porque, convenhamos, ela era o molde.
A mulher que fez o cinema tropeçar — e ficar melhor por isso
Diane Keaton nasceu em Los Angeles, começou como quem entra de lado no palco, meio envergonhada, meio atrevida. Mas bastou um olhar e um riso rouco para percebermos que havia ali qualquer coisa de diferente. “O Padrinho” de Francis Ford Coppola deu-lhe o nome, mas foi “Annie Hall”, de Woody Allen que lhe deu o mundo. Aquela personagem desajeitada, romântica, confusa e irresistível era, na verdade, Diane Keaton em carne e osso.
O Óscar que recebeu por esse papel não premiou apenas uma interpretação, premiou uma atitude: a de ser genuína num meio onde todos fingem. Com Woody Allen criou uma parceria cinematográfica lendária. Mas o segredo do encanto estava precisamente em nunca se deixar possuir por ele, nem por ninguém. Diane foi a namorada que partia o coração do realizador, mas saía de cena com o sorriso de quem ganha o filme.
Elegância no caos, humor no drama
A Diane Keaton tinha esse dom: misturar o trágico e o cómico até já não sabermos onde começa um e acaba o outro. Em “Reds”, “Duas Irmãs”, “Alguém Tem de Ceder” e tantos outros, foi sempre a mulher que sente, que falha, que tenta outra vez. E fá-lo com um charme desconcertante, que nenhuma técnica de representação ensina. Nunca precisou de ser perfeita e foi essa recusa que a tornou eterna.
Foi talvez a primeira atriz moderna de Hollywood: vulnerável, irónica, verdadeira. Quando os outros tapavam as rugas com maquilhagem, ela usava-as como troféus. Quando as revistas pediam vestidos apertados, ela respondia com fatos largos, gravatas e chapéus que pareciam dizer: “Não me visto para vocês.”
A mulher que não quis final feliz, quis apenas ser livre
Os amores de Diane Keaton foram lendários — Al Pacino, Warren Beatty, Woody Allen — mas o que realmente a definiu foi o amor-próprio. Nunca casou. Adoptou dois filhos já depois dos 50 anos. Disse que não se via a dividir a casa com ninguém, mas que sempre acreditou no amor “mesmo quando ele não acreditava em mim”.
Na sua autobiografia, ‘The Same Thing’, falou da sua bulimia, das inseguranças e do medo da solidão com uma honestidade brutal. E foi aí que percebemos que por trás daquela gargalhada havia também feridas antigas, as de quem viveu intensamente, sem esconder nada.
A última cena de uma mulher sem filtros
Morreu discretamente, como quem não quer interromper o filme. O mundo do cinema reagiu em coro, mas a verdade é que Diane Keaton nunca precisou de homenagens para ser eterna. A sua presença está nas atrizes que hoje ousam ser diferentes, nas mulheres que envelhecem sem pedir desculpa, nos homens que aprenderam a admirar o caos com ternura. Diane Keaton foi o riso nervoso, o olhar tímido, o cabelo desalinhado, o charme impossível de classificar.
Foi o anti-Hollywood dentro de Hollywood e talvez por isso tenha sido a mais autêntica de todas. Há quem diga que o tempo apaga tudo. Mas há coisas que ficam: um chapéu inclinado, uma gargalhada rouca, um casaco demasiado grande e uma forma inimitável de transformar vulnerabilidade em estilo.
Adeus, Diane. Obrigaste-nos a olhar para a vida como se fosse uma comédia que vale a pena ver até ao fim. E isso, convenhamos, é a definição perfeita de eternidade.