Photo by Peter Mountain/Netflix/Peter Mountain/Netflix - © 2025 Netflix, Inc.

“Jay Kelly” — Análise

Noah Baumbach reencontra em “Jay Kelly”, a sátira melancólica certa para desta vez filmar o mito Clooney — o actor, o homem e o espelho onde Hollywood se revê — num regresso em grande que chega à Netflix já esta semana, a 5 de dezembro.

O carisma de George Clooney tem sobrevivido a tudo e a todos. Ele de facto é uma super-estrela e uma figura de outra categoria zoológica: uma espécie de cruzamento improvável entre Cary Grant, um diplomata da ONU e o vizinho simpático que nos ajuda a resolver o problema no carro ou da máquina de lavar enquanto discute geopolítica do Sudão. Clooney é hoje a raríssima figura pública que consegue agradar a toda a gente: às mulheres, aos homens, às sogras, aos cínicos, às feministas, aos liberais, aos conservadores e, muito provavelmente, até aos cães, que devem ver nele um ser humano particularmente decente e afável.

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Festival de Veneza 2025
George Clooney em “Jay Kelly. © 2025 Netflix, Inc.

Clooney a interpretar Clooney

É essa superstardom quase pedagógica, feita de charme, ironia, inteligência e uma boa dose de auto-paródia, que Noah Baumbach coloca no centro de “Jay Kelly”, o seu filme mais “leve” e simultaneamente mais arriscado: filmar Clooney como Clooney sem o admitir, oferecendo-lhe uma personagem que é, no fundo, um disfarce transparente para o mito que já existe na cabeça do público. Clooney interpreta Jay Kelly, actor famoso, celebrado, profissionalmente invejável e emocionalmente falido. O filme acompanha Jay numa rota de fuga emocional: festivais europeus, viagens de comboio, reencontros com filhas que não lhe perdoam, amigos que guardam rancores antigos e memórias que surgem como cortes de montagem mal resolvidos. Tudo isto embalado naquele tom baumbachiano de neurose elegante, como se Woody Allen tivesse largado os ansiolíticos e passado a frequentar retiros de mindfulness na Toscânia.

VÊ TRAILER DE “JAY KELLY”

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Um elenco afinado ao milímetro

Mas o que realmente interessa aqui é Clooney a interpretar uma versão cinematográfica do que Hollywood gostaria que Clooney fosse, mesmo que já o seja: um homem que erra, mas erra com classe; que abandona pessoas, mas sempre com um sorriso gentil; que magoa, mas pede desculpa com o olhar; que envelhece, sim, mas como quem actualiza um software de charme. Adam Sandler, surpreendentemente contido, é o seu anjo-da-guarda cansado: um amigo, agente, terapeuta improvisado e mártir profissional, talvez pago em Nespressos e afecto mal agradecido. Laura Dern entra em cena como a publicista que já viu tudo e perdoa quase tudo. E depois há as filhas: uma que o despreza, outra que o tolera. Clooney é tão convincente como pai falhado — e quem não é pai falhado ou se sente como tal? —  que o espectador quase acredita que aquele sorriso — aquele sorriso, sempre! — não é suficiente para curar décadas de ausência.

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Entre Fellini e Hollywood: Baumbach numa corda bamba

Baumbach tenta arriscar um Fellini minimalista, com ecos de “8½” e “Recordações” (Stardust Memories) de Woody Allen — lá vem ele de novo chamado para aqui —, mas o seu filme é, acima de tudo, uma meditação doce sobre o que significa ser amado por todos e compreendido por ninguém. O grande problema — e a grande força — de “Jay Kelly” é esse paradoxo: Clooney é demasiado icónico para ser verdadeiramente desmontado. O filme quer julgá-lo, mas ele escapa sempre, como quem sai de uma entrevista difícil ou foge dos paparazzi italianos, com uma piada que desarma o jornalista e conquista o público.

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Jay Kelly
Adam Sandler num papel que estamos pouca habituados a vê-lo. © 2025 Netflix, Inc.

O espelho final: Clooney a rever Clooney

Quando o final chega — com o inevitável reel dos “filmes de Jay Kelly”, que são, claro, os filmes reais de Clooney — não estamos apenas a ver uma personagem olhar para o seu passado. Estamos a ver George Clooney olhar para o mito de George Clooney, e isso tem qualquer coisa de grandioso, patético e irresistível ao mesmo tempo. É cinema-terapia, cinema-narcisismo, cinema-confissão mas, convenhamos, quando o paciente é Clooney, tudo se perdoa.

Jay Kelly (2025)
A grande dupla deste filme Clloney e Sandler. ©Netflix

George Clooney É Único

“Jay Kelly” não é o filme mais perfeito de Baumbach. Não arrisca o bastante, não vai ao fundo da personalidade que pretende analisar. Mas oferece algo que poucos filmes hoje ousam: uma reflexão terna e irónica sobre o envelhecimento de uma estrela que ainda brilha mais do que devia. O último galã que ninguém quer perder. E Clooney? Clooney continua a ser Clooney: o último galã clássico, o activista humanitário com humor, o actor que faz parecer fácil aquilo que é dificílimo, o realizador que tenta sempre mais do que devia, o homem que, mesmo quando cai, ou apanha uma sinusite, fá-lo com estilo. Hollywood tem muitas estrelas. Mas só tem um George Clooney. E Baumbach, mesmo quando falha, acerta no essencial: filmá-lo como aquilo que é, uma espécie de património emocional da humanidade. Bem haja!

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JVM

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Jay Kelly — Análise
  • José Vieira Mendes - 85

Conclusão:

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“Jay Kelly” não é o melhor filme de Noah Baumbach, mas confirma algo mais importante: Clooney continua a ser uma força da natureza, mesmo quando interpreta um homem em queda. O filme vive do seu charme cansado, da química improvável com Adam Sandler e dessa melancolia elegante que Hollywood já raramente arrisca. No fim, percebe-se que a história é mediana, mas Clooney nunca consegue ser mediano.

Overall
85
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Pros

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O melhor: Clooney, que transforma cada cena num exercício de carisma e vulnerabilidade; Adam Sandler, surpreendentemente contido e tocante; os diálogos de Baumbach mantêm o brilho e há momentos de humor melancólico que funcionam muito bem.

Cons

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O pior: o filme prefere proteger a aura da estrela em vez de aprofundar o lado mais sombrio da fama, ficando aquém do que promete e deixando algumas personagens a meio caminho.


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