Alice do Outro Lado do Espelho, em análise

Alice do Outro Lado do Espelho faz-nos regressar ao País das Maravilhas, desta vez não tão encantado como na primeira aventura. 

Pronto, chegou a tão aguardada sequela de Alice no País das Maravilhas! Depois de alcançar mais de 1 bilião de dólares em receitas em bilheteira por todo o mundo, incluindo em vendas no circuito home-video em DVD e Blu-Ray, a Walt Disney Pictures aposta no regresso da personagem que tornou Mia Wasikowska a célebre atriz que é hoje, além de retomar àquela que foi a obra cinematográfica responsável  pela recente e arriscada aposta do estúdio numa mão cheia de live-action’s, que parecem ainda não ter data para terminar, bem pelo contrário. Entre os seis anos que separam os dois filmes de Alice contam-se a prequela Maléfica, sobre a vilã d’A Bela Adormecida, o musical Caminhos da Floresta – se o quisermos considerar -, Cinderela, com Cate Blanchett e o melhor deles todos, O Livro da Selva, recém-estreado e realizado por Jon Favreau.

Entre uma série de novos projetos, algum deles teria que correr mal. É o caso de Alice do Outro Lado do Espelho, que não consegue, nem de longe, ser tão maravilhoso, encantado e impressionante como o anterior. Mesmo assim, antes sequer de apontar as graves falhas deste Alice, comecemos pelos seus (mínimos) aspetos positivos.

Alice do Outro Lado do Espelho

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Se no primeiro filme, Wasikowska, agora com 26 anos, entrava no sistema de Hollywood um pouco envergonhada e um quanto nervosa, neste capítulo a jovem dá provas de que amadureceu, tendo um tão natural e eloquente à vontade em frente da câmara, prova ainda do processo de aprendizagem e do que significa ser ator. Depois de Alice no País das Maravilhas, a australiana protagonizaria Jane Eyre ou brilhante e negro Stoker, e neles, sobretudo o último, parece espelhar algo daquela rapariga em fuga das angústias do mundo real. Entretanto mais ousada, Wasikowska regressa ao seu próprio imaginário, com credibilidade, isto é, não nos faz confundir a sua performance com o estatuto de estrela que merecidamente adquiriu.

Alice Kingsleigh é então a capitã do navio Wonder, que pertencia ao seu pai, vivendo cada momento para tornar o impossível possível. Em vez da procura desesperada por um marido, o novo filme segue as expedições de Alice por estranhas e turbulentas marés, mas é em terra que as pressões se fazem sentir, dado que a sociedade londrina não vê com bons olhos a independência de uma jovem mulher, o que pode colocar um ponto final nas suas aventuras. De facto, notam-se como as primeiras sequências se esforçam para manter a atenção e consecutiva afeção do espetador, tanto ainda pela familiaridade da banda-sonora ou pelo surgimento de personagens secundárias nesse mundo real,  antes sequer de passar para o outro lado do espelho e voltar ao mundo mágico do País das Maravilhas.

Ao início, quando tal acontece, sentimos um arrepio na espinha, sobretudo porque ouvimos a voz de Alan Rickman como Absolem (ex-Lagarta Azul), naquele que é o seu último desempenho antes do seu falecimento no início deste ano. Segue-se o reencontro com personagens tão afáveis, criadas digitalmente e que mais parecem bonecos de peluche que qualquer um tem vontade de apertar. Pelas vozes de típico humor britânico de Michael Sheen, Timothy Spall, Stephen Fry, Barbara Windsor, Matt Lucas, Matt Vogel, que certamente seriam aplaudidas pelo autor dos livros Lewis Caroll, o espetador pode acreditar que está diante do mais familiar dos filmes de 2016.

Alice do Outro Lado do Espelho

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Alguns atores de carne e osso também estão bem, é o caso de Helena Bonham Carter, como Rainha Vermelha, que continua a sentir a sua cabeça crescer, ou de Anne Hathaway, a sua irmã Rainha Branca que mesmo não sendo a atriz que vimos brilhar em Os Miseráveis ou Interstellar acarreta a dimensão infanto-juvenil de O Diário da Princesa ou de Ella Encantada. O ponto forte é que a relação/tensão entre ambas é mais desenvolvida e os segredos do passado são finalmente explicados, com consequências imprevisíveis. Na verdade, são estas mulheres que se safam no decurso da história, porque surgem emancipadas, mais preocupadas com o objetivo professional (apesar disso, a Rainha Vermelha e a Rainha Branca, têm muita pouca coisa a tratar senão tomar um chá ou comer vegetais), do que um interesse romântico a sério.

Outro aspeto positivo são aqueles que permitiram Alice no País das Maravilhas vencer dois Óscares da Academia: o guarda-roupa e a direção artística. Dentro das diferentes personagens, percebemos o porquê da variedade da paleta de cores dos seus vestuários. Já a construção dos cenários não perde a qualidade do primeiro, sendo até mais requintados. No domínio da técnica, os efeitos visuais também são de plena imersão, quando assistimos ao filme em IMAX 3D.

Alice do Outro Lado do Espelho

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Os problemas surgem porque sabemos que não é Tim Burton quem dirige – assume apenas a tarefa de produtor. Ao seu substituto James Bobin (incrível que pareça é o homem por detrás do renascimento d’Os Marretas) falta aquela extravagância do cineasta de cabelos em pé. Nem mesmo uma história original, que segue as encruzilhadas do tempo e da memória, peculiaridades do cinema contemporâneo, consegue tornar Alice do Outro Lado do Espelho interessante. Viajamos por camadas e camadas de imaginação, que são preenchidas sucessivamente com um propósito demasiado ridicularizado, nomeadamente uma profunda tristeza do Chapeleiro Louco, personagem que é em si sinónimo de (sor)risos.

Pensamos, por isso, que este é um dos piores desempenhos de Johnny Depp. Se Burton sabe gerir a capacidade camaleónica do ator, com outro cineasta, Depp tende a ter rédea solta. Além de estar notoriamente mais velho e fisicamente cansado, falta à sétima arte um Depp de Sweeney Todd, de Black Mass ou de Inimigos Públicos, papéis mais sérios, mas não menos cativantes.

Entre as novas personagens, Sacha Baron Cohen foi escolhido para personificar o Tempo. Cohen nunca chega a ter graça quando aparece em cena, mesmo quando se esforça, nem chegamos a perceber se a personagem que interpreta é um vilão a temer ou bom da fita. Talvez como o próprio tempo, as conclusões terão que ser tiradas pelo espectador. Valem as referências ao tempo Cronos, o tempo cronológico de passado, presente e futuro linearmente construídos, e a sua dualidade com o tempo Aion, tempo de de um emaranhado e paradoxo de tempos.

Alice do Outro Lado do Espelho

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Entre prós e contras, falta a Alice do Outro Lado do Espelho espaço para risos, que se manifestam ocasionalmente e com alguma timidez. Se com Alice no País das Maravilhas a Disney dava dois passos à frente, com este Alice do Outro Lado do Espelho, dá dois passos atrás.  Se fosse para retirar uma frase conclusiva deste filme seria aquela em que Alice aprende, de que “não podemos emendar o passado, apenas podemos aprender com os erros”.

Falta alma a um País cujo nome está supostamente correlacionado a algo grandioso, tal como o nome da sua produtora. Fica só a esperança que A Bela e o Monstro esteja mais próximo a Cinderela, de Kenneth Branagh ou a O Livro da Selva, de Jon Favreau do que este Alice, que deverá fica bem do outro lado do espelho, mesmo que um futuro terceiro filme seja quase inegável.

O MELHOR – A capacidade de nos entusiasmar a uma ida ao cinema, pela herança deixada do primeiro episódio.

O PIOR – Um Johnny Depp cansado, muito cansado.

Consulta também: Guia das Estreias de Cinema | Maio 2016


Título Original: Alice Through the Looking Glass
Realizador:  James Bobin
Elenco: Johnny Depp, Anne Hathaway, Mia Wasikowska, Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen
NOS Audiovisuais | Comédia, Aventura, Fantasia | 2016 | 144 min

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VJ

 

One thought on “Alice do Outro Lado do Espelho, em análise

  • Alice do Outro Lado do Espelho: 4*

    “Alice do Outro Lado do Espelho” é um filme bastante bom, este “Alice do Outro Lado do Espelho” é um filme a ver sem dúvida.

    Cumprimentos, Frederico Daniel.

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