Christopher Nolan ajudou a restaurar o seu filme favorito de Stanley Kubrick
Há cineastas que vivem para o presente e outros que sonham com o futuro. Christopher Nolan, esse, parece ter um pé firme no passado, mais precisamente na película, no rolo físico, no cheiro da celuloide a girar no projetor. E se há filme que justifica essa nostalgia tecnológica, é este enigmático colossal de Stanley Kubrick.
Mas o que o realizador de Interstellar fez desta vez ultrapassa o mero restauro: chama-lhe uma versão “não restaurada” e sim, a expressão parece contraditória.
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Qual é afinal este filme de Kubrick?
Em 2018, para assinalar o 50.º aniversário de 2001: Odisseia no Espaço, a Warner Bros. lançou uma cópia especial em 70mm, supervisionada pessoalmente por Christopher Nolan (Los Angeles Times). O realizador deixou claro: “Esta é uma verdadeira recriação fotoquímica do filme. Não há truques digitais, efeitos remasterizados ou cortes revisionistas.”
E não, isto não é apenas fetichismo técnico, especialmente para Nolan que já expressou regularmente o seu favoritismo por 2001. O 70mm é um formato de luxo, com quatro vezes mais informação de imagem do que o tradicional 35mm. Numa obra como 2001, cada detalhe conta: desde os cenários minimalistas às estrelas perdidas no vazio, a diferença entre ver em Blu-ray e ver em 70mm é tão grande como olhar para uma pintura num catálogo ou vê-la pendurada numa galeria.
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Além disso, Christopher Nolan respeitou o ritual da época: o filme começa com um prelúdio musical antes da cortina abrir e inclui até um intervalo a meio, tal como Kubrick planeou. Pequenos detalhes? Talvez. Mas quem assistiu descreveu a experiência como entrar numa máquina do tempo, um futuro filmado em 1968, projetado com a solenidade do cinema clássico.
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Porque insiste Christopher Nolan em manter o analógico vivo?
Christopher Nolan não é apenas um realizador; é quase um missionário do cinema. Enquanto a indústria corre para o digital, ele insiste em filmar e projetar em filme físico. Dunkirk, Oppenheimer e Interstellar são apenas alguns exemplos da sua cruzada contra a compressão de pixels.
A lógica de Christopher Nolan é simples: a imagem digital, por muito nítida que seja, fragmenta a realidade em pontos de informação. Já o filme cria uma continuidade orgânica, palpável, que aproxima o espectador da obra, como a diferença entre ver a Mona Lisa num ecrã HD ou debruçar-se sobre o original no Louvre. É textura, é corpo, é calor.
E, ironicamente, foi a tecnologia digital que ajudou a manter vivo este culto do analógico. Sem VHS, DVD ou Blu-ray, muitos de nós nunca teríamos conhecido 2001 antes de o reencontrar numa sala em 70mm. Portanto, a convivência entre o “pior” e o “melhor” formato permitiu que, décadas depois, este regresso às origens tivesse impacto. No fundo, como o próprio filme sugere, a evolução humana é inseparável das suas ferramentas, mesmo quando são imperfeitas.
Vale mesmo a pena ver 2001 assim?
Aqui está a verdade crua: sim, vale. Mesmo que já tenhas visto o filme dez vezes em televisão, tablet ou projeções digitais. Portanto, o impacto do 70mm é quase físico. Christopher Nolan fez um tremendo trabalho. Assim, a vastidão do espaço deixa de ser apenas um fundo negro, é uma presença esmagadora. As naves parecem esculturas suspensas num museu cósmico. E os silêncios, longos e desconfortáveis, ganham um peso quase religioso.
Quem assistiu descreveu momentos de pura vertigem, como se o cinema voltasse a ser maior do que nós, algo que dificilmente se sente ao ver Netflix no sofá. E talvez seja isso que Christopher Nolan defende com tanto fervor: o cinema como experiência coletiva, irrepetível, analógica. Uma memória partilhada, onde a luz atravessa a película e se transforma em algo maior do que a soma das suas partes.
No fim, a versão “não restaurada” de 2001 não é um capricho nostálgico. É uma lembrança de que, por vezes, a melhor forma de olhar para o futuro é revisitar o passado com os olhos bem abertos. Assim, se pudesses escolher, preferias ver Kubrick em 70mm ou continuar a revê-lo no conforto digital do sofá?