Cinema vs Televisão | O Renascimento

“Será que a televisão superou o cinema?” A pergunta é justa e pertinente, justificando uma reflexão sobre o assunto. Na primeira parte deste ensaio limitei-me a apresentar a evidência clara que os grandes atores, atrizes e realizadores do nosso tempo estão a “emigrar” para a TV ou, pelo menos, estão a dividir o seu tempo entre a televisão e o cinema. Nesta segunda parte limitar-me-ei, uma vez mais, a apresentar uma evidência: o nível da televisão aumentou exponencialmente ao longo dos últimos vinte anos.

Talvez a transformação da televisão seja uma consequência da metamorfose do melhor canal do meio. Em 1997 a HBO (Home Box Office Inc) inaugurou o seu primeiro longo drama televisivo intitulado Oz, uma série altamente realista sobre a vida nas prisões norte-americanas. Oz tinha um nível de realismo e qualidade dramática que destoava de forma brutal da televisão dos anos noventa. Era mais séria, mais gráfica e melhor do que praticamente qualquer série dramática feita até então. O Emmy de melhor série dramática de 1997 foi, ainda assim, para a série policial episódica Law and Order, apenas evidenciando o fato de que Oz era demasiado avançada para o seu tempo. De fato, passariam ainda alguns anos até que os Emmys começassem a adequar-se à nova realidade da televisão americana. Law & Order representava um passado composto de série episódicas produzidas em massa. Por outro lado, Oz representava a nova vaga da televisão, repleta de narrativas longas e contínuas de alta qualidade, essencialmente filmes de dezenas de horas de duração. Oz foi apenas a primeira de uma longa lista de séries inovadoras produzidas pela HBO, seguiram-se uma infinidade de obras primas como Os Sopranos, Sete Palmos de Terra, The Wire, Deadwood, Roma, Boardwalk Empire, A Guerra dos Tronos e, no ano passado, True Detective.

Cinema vs Televisão Oz

O grande sucesso de várias destas séries criaram um efeito dominó na indústria, levando outras companhias, tais como AMC, FX, Starz ou Showtime a produzir séries no mesmo modelo. Ou seja, séries de grande qualidade e com uma narrativa contínua.

Vestígios do passado persistem vigorosamente na forma de séries atuais como CSI e a sua multidão de spin-offs, NCIS, Law & Order: Special Victims Unit e Law & Order: UK, Grey’s Anatomy, etc… De certa forma esse tipo de séries ainda domina as audiências, especialmente no que diz respeito à programação dos quatro grandes canais públicos americanos: ABC, CBS, NBC e Fox. Mas apesar da existência desses grandes dinossauros, a televisão atual caminha de forma decidida rumo a uma realidade bastante diferente.

As séries que dominam as discussões em todo o mundo são as grandes narrativas de qualidade, introduzidas em um primeiro momento pela HBO, mas que atualmente se repartem por diversos canais distintos. Séries como A Guerra dos Tronos, True Detective, Breaking Bad, Mad Men, The Walking Dead, Hannibal, Fargo ou House of Cards são verdadeiros fenómenos culturais de âmbito mundial. E ao contrário do que acontece com o cinema, existe geralmente um consenso entre público e crítica que estas são algumas das melhores séries da atualidade. Narrativas longas e complexas capazes de aliar o conteúdo ao espetáculo, de seduzir tanto as massas como os intelectuais.

Cinema vs Televisão The Walking Dead

O novo paradigma da televisão está a substituir lentamente o velho, o que constitui um triunfo das artes e beneficia enormemente o público. A televisão nunca foi melhor do que é hoje, e estes são certamente tempos magníficos para todos aqueles que apreciam a arte das “imagens em movimento”. Os canais de cabo norte-americanos passaram os últimos vinte anos a aperfeiçoar a técnica de aliar a qualidade ao entretenimento e isto confere-lhes uma vantagem importante em relação aos grandes canais e às suas produções episódicas destinadas unicamente a entreter mas vazias no que diz respeito a arte e intelecto. Esta poderosa combinação de qualidade e entretenimento confere às melhores produções televisivas da atualidade uma força intrínseca tal que muitos afirmam inclusive que nem mesmo o cinema está à sua altura nos tempos que correm, e pode muito bem ser que tenham razão…

Continua na próxima parte…

Parte I

 

Bruno Vargas

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