Decisão de Risco | Análise

 

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  • Título Original: Flight
  • Realização: Robert Zemeckis
  • Argumento: John Gatins
  • Intérpretes: Denzel Washington, John Goodman, Don Cheadle, Bruce Greenwood, Nadine Velasquez, Melissa Leo
  • ZON | Drama, Thriller | GB | 2012 | 138 min

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“Makes Me Wanna Sniff Some Lines And Go Fly A Jet!”

 

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– Ora nem mais, tiraram-me as palavras da boca – diria o comandante “Whip” Whitaker (Denzel Washington), na noite vespertina de pilotar o seu avião comercial. Mas antes de bisbilhotarmos as noitadas boémias do nosso piloto espirituoso, é necessário e urgente dar crédito a uma obra cinematográfica, que entrou com pezinhos de lã na corrida por dois Óscares da Academia.

Recentemente, já tínhamos visto o realizador (Robert Zemeckis), noutros registos mais fantásticos e imaginários como: “Polar Express” ou “Beowulf”, mas desta vez ele resolve pegar no argumento dramático de (John Gatins) e apresentar um filme de enorme carga emocional. Depois do sucesso de “O Náufrago” com Tom Hanks, enquanto drama pessoal que explora o limite das emoções humanas, Zemeckis, regressa ao lugar-comum, no retrato impressionante de um homem amarfanhado pelo poder destrutivo das drogas e do álcool.

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Decisão de Risco, aka “Flight”, não se perfila como um filme de sobrevivência coletiva acerca da queda trágica de um avião das linhas aéreas comerciais, ao invés, permite um olhar intimista na vida destroçada de um alcoólico que consome estupefacientes para esquecer os seus problemas. É este o perfil do famoso comandante William “Whip” Whitaker, que em mais um voo rotineiro com destino marcado para Atlanta, deveria ser coagido a soprar ao bolão antes de prosseguir viagem.

E se por mera conjugação perfeita entre azar e sorte, ou somente uma piada divina de muito mau gosto, estivesse aquele avião destinado a despenhar-se no solo, talvez tenhamos de admitir que, se a cocaína não tivesse subido à cabeça de “Whip”, qual chicotada mental para inverter um avião ao contrário e realizar uma aparatosa aterragem de emergência, apenas com meia dúzia de baixas mortais. É obra meus senhores, mas não esqueçamos o quão ténue é a linha entre a superação individual e o desespero fatal. Em condições absolutamente normais, talvez o resultado fosse catastrófico; mas nunca saberemos ao certo, se esta pirueta épica corresponde a um ato de pura bravura e genialidade, ou a uma tontaria irresponsável e criminosa; possivelmente ambos.

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Esta será de resto a questão mais controversa de todo o filme, que alimenta o lado angustiante do alegado herói de “Washington”, mas ao mesmo tempo o condena por conduta ilícita. Sejamos claros, nestes casos de responsabilidade civil, há que identificar sempre o culpado(s), indemnizar as famílias das vítimas e apurar a veracidade dos factos. Pois bem, quando Hugh Lang (Don Cheadle) dá o ar da sua graça, com o seu fatinho de advocacia a cheirar a milhas de distância, juntamente com Charlie Anderson (Bruce Greenwood), e informam “Whip” do resultado positivo do exame toxicológico, bem como da possibilidade de poder incorrer numa pena por negligência, o mito do salvador da pátria começa a ser desconstruído num ápice.

Denzel Washington é brilhante na forma como interpreta a personagem complexa de Whitaker, levando o espetador a acreditar piamente no seu estado alterado e a sentir o seu sofrimento atroz,  tal a transparência da sua credível atuação. E se existe uma linha que separa a loucura da razão, o ator americano consegue ser consistente e eficaz na sua farsa, revelando o lado negro da sua própria alienação pessoal, principalmente na relação precária com o seu filho e até mesmo com Nicole (Kelly Reilly), uma jovem toxicodependente em fase de reabilitação. À beira do abismo, “Whip” consegue encontrar um pequeno pedaço de céu em Nicole que, empenhada em desintoxicar-se, tenta influenciá-lo positivamente. E se momentaneamente conseguimos vislumbrar uma evolução comportamental no sentido da mudança, rapidamente constatamos que, a necessidade voraz de satisfação, acaba sempre por comandar a vontade racional de forma quase irremediável. Além disso, quando se quer snifar umas linhas de coca e o melhor amigo é um fornecedor omnipresente desses pozinhos “aleluia”, só temos de agradecer a Harling Mays (John Goodman), por simplesmente existir.

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Robert Zemeckis, habituado à espetacularidade das grandes cenas trabalhadas a computador, consegue entrar a matar com o “bailado” exibicionista da queda do avião comercial, bombeando a adrenalina intensamente. Mas com a exceção desse momento “high-tech”, a riqueza inteletual da longa-metragem, reside num trabalho de câmara firme e estável, despido de artifícios, focalizando-se no lado sombrio experienciado por “Whip”, enaltecido por uma luminosidade sombreada, perto da realidade chocante daquele olhar perdido de whisky.
A fotografia de (Don Burgess) vem precisamente confirmar essa honestidade que tortura um homem ligado em piloto automático, até ao dia da sua obliteração. Mas Burgess surpreende quando promove uma reunião quase fraternal na escadaria do hospital, oferecendo uma conversa filosófica entre Whitaker, Nicole e um paciente em fase terminal. É um “take” genial , como se cada interveniente tivesse transcendentalmente iluminado, com uma tonalidade de luz própria e um plano de visão singular.

O departamento sonoro, a cargo do veterano (Alan Silvestri), invade a alma com a agonia melancólica do piano, como instrumento predominante para demonstrar a queda de um homem defeituoso, e não tanto de uma máquina supostamente infalível. Aqui e ali captamos alguns trilhos eletrónicos e orquestrais, mas em última análise, são as cordas do piano que sorvem o âmago sentimental.

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Decisão de Risco é um filme poderoso, real, sincero, e visceral, incapaz de deixar alguém indiferente.

P.S – Ladies and gentlemen, enjoy the ride!!!


MS

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