Deuses de pedra (IndieLisboa 2025) em análise | Como manter as raízes familiares em Trás-os-Montes
“Deuses de pedra” é um documentário de Iván Castiñeiras Gallego. O filme tem a particularidade de ter sido filmado ao longo de 15 anos (2008 a 2023). Trata-se de um retrato do Norte de Portugal, em Trás-os-Montes, junto à fronteira com a Galiza, em Espanha. Acompanha uma família e particularmente os dois filhos mais novos e o seu crescimento ao longo de mais de uma década. Filmado em película, trata-se de um filme “simples” e “natural”.
“Deuses de pedra” estreou nacionalmente na passada sexta-feira 2 às 21h30 no IndieLisboa. Repete na terça-feira 6 às 16h30 na Sala 3 do Cinema São Jorge. Faz parte da Competição Nacional do festival. Estreou mundialmente no Festival de Cinema de Roterdão em fevereiro deste ano.
As raízes e tradições, em Deuses de pedra
Filmado em Trás-os-Montes, há neste documentário um olhar muito claro sobre as tradições, quer do ponto de vista de trabalho (a agricultura tão presente; “a minha profissão é muito difícil” alega o pai numa conversa franca com a sua filha), quer do ponto de vista mais “universal” (menção aos caretos e às procissões, por exemplo).
Com “Deuses de Pedra” assistimos a um documentário invulgar em termos de produção – filmado ao longo de 15 anos. Talvez por essa razão se sinta que, por vezes, há coisas que aparecem neste filme um pouco “deslocadas”. A maturação que o realizador Iván Castiñeiras Gallego fez do projeto permitiu-lhe pensar bem sobre o que estava a filmar. Por outro lado, em termos de montagem – e acreditando que haverão imensas horas de material em bruto – há um fio condutor: a família Freitas Tavares, mas também há algumas coisas que questionamos: de onde surgiu isto?
Como começar um filme?
O início de “Deuses de pedra” a preto e branco é um dos porquês… O próprio começo com as lendas é interessantíssimo mas, depois, com o desenrolar do filme, torna-se estranho porque a temática é completamente abandonada. Nos primeiros 20 minutos do filme o realizador baralha por completo o espectador. Imagens a preto e branco misturadas pontualmente com imagens a cores, referências claras à fronteira Portugal-Espanha e aos contrabandistas, crianças numa escola. São imagens de arquivo? São imagens filmadas pelo realizador? A ambiguidade é muita.
Pelo meio, há várias pessoas, sobretudo crianças, que olham diretamente para a câmara. Não voltarão a aparecer. Depois, entra uma festa de Verão numa aldeia com o regresso dos imigrantes portugueses (é ali na aldeia que estão as suas raízes – um dos casais até fala em regressar). Por fim, dá-se o foco à família Freitas Tavares. No entanto, há um pequeno detalhe importante a saber: o primeiro plano de “Deuses de pedra” é com esta família. Porquê, depois disso, tantas imagens díspares?
Tantos filmes num só…
“Deuses de pedra” tem, portanto, várias camadas. Certamente, isso é sintomático dos seus 15 anos de filmagens. A questão é: porque é que o foco na família é feito tão tarde? O realizador certamente poderia ter feito aqui, no mínimo, três filmes diferentes: um sobre as lendas e tradições, outro sobre os imigrantes nas suas aldeias e outro sobre a família Freitas Tavares. Seria muito melhor, certamente.
É possível – e, depois, sabemos que há – uma relação desta família com o resto mas é um terreno bastante íngreme. A saber, o pai separa-se da mulher e dos filhos e emigra. Um dos filhos faz o mesmo e outro lhe seguirá mais tarde… Na aldeia, a mãe e os filhos trabalham na agricultura. Tudo está ligado mas… também há muitas cenas desnecessárias neste filme.
Preza-se, ainda assim, toda a simplicidade e humanidade que o realizador mostra neste filme ao acompanhar as pessoas comuns. “Deuses de pedra” termina com um ciclo: a partida da filha para a Universidade. O Portugal profundo como sintoma claro de uma desertificação sem fim…
Deuses de Pedra
Conclusão
- Iván Castiñeiras Gallego traz-nos um documentário filmado ao longo de 15 anos. É um filme medianamente bem conseguido. É interessante acompanhar a família Freitas Tavares ao longo do filme e ver como as crianças crescem. Pelo meio, assistimos às raízes e tradições próprias de Trás-os-Montes mas também sentimos um vazio em certas cenas do filme que parecem totalmente díspares entre si. Vale muito pelo caráter etnográfico e por uma representação humana e próxima do Norte de Portugal junto à fronteira com Espanha. No entanto, sentimos que vemos aqui, no mínimo, três filmes diferentes num só…