Entrevista a Joaquim de Almeida

 

O mais internacional e carismático dos actores portugueses brilha, muito bem acompanhado em ‘Profissionais da Crise’, o filme de David Gordon Green, no papel de um candidato à presidência de uma república sul-americana. Joaquim de Almeida falou-nos do seu trabalho no filme, dos colegas, do realizador, da atividade de lobbying, da política e dos políticos e da sua propensão para este papel quem sabe um dia poderá representar na realidade, pelo menos ao nível autárquico.

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O CANDIDATO

MHD: O Joaquim é um dos orgulhos de Portugal. Ficamos sempre muito contente de o ver em grandes filmes seja independentes nos EUA ou na Europa, seja nos da indústria de Hollywood, e até em grandes séries de televisão, sempre ao lado de grandes estrelas. É difícil conseguir bons papéis?

J.A.: É difícil, mas também não há assim tantas coisas interessantes. Aparecem-me muitos filmes para fazer, alguns de baixo orçamento. Às vezes até faço porque gosto de ajudar as pessoas, como foi por exemplo naquele filme canadiano ‘Um Encontro com o Destino’. Mas claro tenho mesmo que procurar os filmes bons. É evidente que sou ator preciso de trabalhar e ganhar dinheiro e se aparecer um blockbuster faço. Quando aparece um filme que me parece ser bom como este ‘Profissionais da Crise’, e mais dirigido pelo David Gordon Green não hesito. Eu estava a filmar no Canadá e até fizemos a entrevista por skype e disse logo ao David que tinha gostado muito do argumento. Fui ver o documentário, da Rachel Boynton (‘Our Brand Is Crisis’) em que se baseia o filme e achei muito interessante. Entendemo-nos logo em relação ao que ele queria de mim. Agora trabalhar só pelo dinheiro não. Estou a fazer agora uma série de televisão muito bem paga e mais uma vez sou um candidato a governador com um passado obscuro no tráfico de droga. As pessoas já estão habituadas a ver-me fazer estes papéis, mas paciência. Aceito fazer de mau-da fita, mas têm de me pagar muito bem! Mas é porreiro pois estou aqui no Estoril e de repente tenho que viajar para gravar nos EUA. Para já não me posso queixar pois tenho tido sempre trabalho e isso é bom!

MHD: Esteve quase para não fazer este papel, pois teve uma lesão não foi?

J.A.: É verdade. Mas há outra história antes: o David (Gordon Green) e a Sandra (Bullock), queriam que fosse eu a fazer o papel, mas a Warner Brothers, queria que fosse o Antonio Banderas. Já não estava sequer a pensar que iria fazer o papel.

Ligaram-me a dizer o papel é teu e amanhã tens que viajar para Nova Orleães. Tive praticamente tempo apenas para fazer uma leitura, para começar a filmar uma semana depois. entretanto, fui ao ginásio fazer exercício e fiquei com uma dor ciática. Fui ao hospital e deram-me uma injecção epidural para poder viajar. Lá fui para o avião e sentado ao meu lado estava o Grant Heslov, o produtor e sócio do George Clooney, que ia para o casamento, e fui-lhe dizendo que não estava em condições para começar a filmar, se calhar tinha de desistir. O meu filho ajudou-me imenso, ligou-me e insistiu para eu não desistir. Na verdade as primeiras 4 semanas de rodagem do filme vi-me aflito com dores, mas pronto como actor às vezes tem que se fazer um esforço para trabalhar.

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MHD: Como foi trabalhar com o realizador, com a Sandra Bullock…?

J.A.: É fácil! Ela é um pessoa simpaticíssima. Mas adorei trabalhar com o David Gordon Green. É um realizador que sabe puxar pelos actores e a mim ajudou-me imenso porque a minha personagem é vital no filme. Pudemos experimentar muitas coisa em conjunto. Como nos outros filmes dele que vai das comédias absurdas aos dramas. Portanto para mim foi um prazer trabalhar com ele porque de uma forma divertida acaba sempre por conseguir aquilo que quer. Aliás estamos a pensar voltar a trabalhar juntos para o ano numa adaptação do Prince Avalance aqui em Portugal.

MHD: E com a Sandra Bullock e o Billy Bob Thorton?

J.A.: Com o Billy nunca trabalhei, não nos cruzávamos nas filmagens como se poderá ver no filme. Mas dei-me muito bem com ele, estávamos sempre a ver o futebol americano juntos, no hotel em Porto Rico. Gostei muito de trabalhar com a Sandra, ela também produtora do filme, mas foi uma relação fantástica pois ela muito divertida e boa pessoa. É uma das actrizes mais bem pagas do momento e de uma simpatia absoluta. Trazia o filho para as filmagens e fartei-me de brincar com miúdo, que apesar de ter 24 anos não tinha muito a noção do que era o cinema e a  profissão de actor.

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MGH: Fale-me um bocadinho do seu papel no filme….

J.A.: É um candidato à presidência da Bolívia, que viveu a maior parte do tempo fora do País, porque até fala o castelhano com sotaque estrangeiro. Já foi presidente e está candidatar-se pela segunda vez,  com um intervalo, mas está um pouca arredado do que é a realidade da boliviana, mas acha que pode salvar o País, porque viveu nos EUA, Tem bons contactos diplomáticos pois é filho de embaixador e logo vai buscar uma ‘máquina americana’, para ganhar novamente as eleições. E aí aparece a Jean Bodine (Sandra Bullock) que descobre que o seu rival nos EUA (Billy Bob Thornton), está a trabalhar na campanha para outro candidato. E o meu personagem tem de ganhar as eleições custe o que custar. E tudo isto é muito actual, quer com a proximidade das eleições americanas, quer em Portugal, que saímos de umas legislativas e em breve vamos ter as eleições presidenciais. Se bem que em Portugal não tem comparação com as ‘máquinas’ de campanha de uma eleições nos EUA ou mesmo nos países sul-americanos. E tudo isto é baseado na realidade, que aconteceu mesmo na Bolívia. O personagem do Billy Bob Thornton é um consultor chamado James Carville, que me lembro dele a trabalhar na campanha do Clinton nos EUA e depois dos Kirchener na Argentina. É um profissional pago a peso de ouro, que ainda por cima é casado com uma mulher que trabalha para a Fox News. Para estes profissionais a política é um negócio. Se pensarmos que nos EUA há 12 candidatos republicanos por detrás deles há sempre esta máquina vemos que a política é um negócio de milhões. E depois há cenas caricatas como se vê neste filme. Já imaginou a máquina que está por exemplo por detrás do Donald Trump?

MHD: Acredita que a maioria dos políticos são como o candidato que representas no filme?

J.A.: Acho que os políticos não são todos iguais. O meu candidato até do ponto de vista humano não é mau. Só que viveu nos EUA e vem influenciado pela política americana e acha que a melhor maneira de salvar o Pais é pedir ajuda ao FMI e privatizar os recursos da Bolívia (minério, gás natural, etc..). No nosso país temos um bom exemplo de que os políticos são profissionais: saem das universidades, para a juventudes dos partidos e fazem aí carreira. Infelizmente como podemos ver a política dá dinheiro. Como é possível que a maioria políticos acabem a sua carreira ricos, quando nem mesmo a atividade de lobbying não está institucionalizado neste País? A verdade é que na política propriamente dita não se é bem pago, mas quase todos acabam a carreira na política, ricos, com património e vão para lugares, onde fazem uma espécie de lobbying ou tráfico de influências. Portanto não podem ser honestos. No lobbying há coisas que se podem fazer e outras que não se podem há regras e quando fogem à regra e são apanhados, no EUA vão mesmo ‘dentro’. E ainda há políticos honesto? Sim mas por mais honesto que se seja, para se conseguir alguma coisa é preciso fazer cedências. Infelizmente o sistema está criado de uma forma, que pode-se até nem querer coisas para o próprio, mas por exemplo consegui-las para o partido, satisfazer as clientelas, senão não se chega a lado nenhum. Há políticos honestos de facto que não tiram para eles mas acabam, por ‘facilitar’ outros. Em Portugal segundo o que li uma vez no Washington Post os maiores casos de corrupção acontecem ao nível das autarquias, a tal história do ‘pagamento das luvas’.  E na Bolívia é a mesma coisa…

Vê a Entrevista: https://youtu.be/uHjwKsC9QAY

MHD: É a segunda vez que faz de presidente. Já lhe passou pela cabeça candidatar-se a presidente? O Regan era actor e o Prof. Marcelo tem tanto de político como de actor?

J.A.: Uma vez pensei candidatar-me à Câmara de Sintra, como sabe vivo no concelho e é um município muito difícil porque é enorme. É o segundo concelho do País, se não me engano. Às vezes apetece-me, porque chegas a uma altura da vida em que não precisas daquele ordenado para viver e gostava obviamente de ir para lá para fazer um bom trabalho com fez o Seara. No outro dia estive a falar com o presidente da Câmara de Cascais, que veio à estreia do filme e disse que Cascais, que é um concelho muito mais pequeno do que Sintra, mas o orçamento camarário é igual. Portanto em Sintra é muito difícil, é esticar um orçamento da mesma dimensão do de Cascais, num concelho que é enorme. E depois há muitas pessoas a trabalhar nas autarquias, que não valem uvas. Candidatar-me à Presidência da República? Quem sabe um dia??? (risos) A Presidência da República pode ser muito interessante pois temos um sistema semi-presidencialista onde o presidente não se tem que ‘governar’, mexer com orçamentos. Na verdade a política não é a minha vida, estou farto da política…

 

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