Filomena, em análise

 

Filomena - Poster
  • Título Original: Philomena
  • Realizador: Stephen Frears
  • Elenco: Judi Dench, Steve Coogan, Sophie Kennedy Clark
  • Género: Drama, Comédia
  • ZON | 2013 | 98 min

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Está longe de ser um dos melhores filmes do ano (como os Óscares até querem fazer crer), mas com os seus muitos assinaláveis atributos, “Philomena” é capaz de ser a melhor aproximação de 2013 ao efeito “Silver Linings Playbook” que se deu no ano passado, demonstrando o gosto da Academia por premiar – nem que seja apenas através de nomeações – os filmes que cumprem uma das cláusulas mais necessárias no Cinema: fazer-nos sentir bem.

Contudo, essa propensão para o feel good é tudo menos óbvia em “Philomena”, ora não fosse uma impiedosa história verídica que aqui estivesse a ser narrada. Tudo se passa na Irlanda – que funciona mais como um fundo negro do que um belo cartão-postal – onde uma jovem engravida, é rejeitada pela família e enviada para o convento de Roscrea, onde recebe ajuda das freiras. Em contrapartida, é obrigada a trabalhar na lavandaria do convento e não está autorizada a ver o seu filho mais do que uma hora por dia. O negrume aproxima-se deste “Philomena” quando, com apenas três anos de idade, a criança é adotada por uma família americana e a mãe (Judi Dench), inconformada, passa cerca de cinquenta anos a procurá-la.

Filomena

O filme de Stephen Frears (“A Rainha”; “Ligações Perigosas”) narra os eventos seguintes. Quando a filha de Philomena encontra um jornalista sedento de protagonismo, Martin Sixsmith (Steve Coogan), que decide ajudar a sua mãe, ambos partem para os Estados Unidos numa inesperada e emocionante viagem em busca da verdade.

Talvez seja neste seu ponto de partida que “Philomena” perca a consistência que mais adiante acaba por revelar. Inicialmente, tudo parece tão rápido e demasiadamente simples que a determinado momento é impossível não duvidar da veracidade dos factos. Os acontecimentos parecem suceder-se de forma bastante fácil e apressada, havendo situações onde o espectador precisava de mais tempo para absorver com maior naturalidade as decisões que comandam a viagem de Martin e Philomena. Por exemplo, desde que a filha de Philomena conhece Martin até ao momento em que Philomena embarca com este desde as Terras de Sua Majestade rumo às terras do Tio Sam, vai um piscar de olhos.

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Podemos depois também julgá-lo por tentar à força ser um crowd pleaser, quando por vezes a densidade dramática merecia uma maior profundidade, mas aí já estaríamos a entrar por caminhos mais sinuosos. “Philomena”, no fim, não é mais do que um feel good movie que, apesar da perturbante história verídica que relata, nunca pretende fomentar o ódio e o rancor, escorraçando de nós todos os sentimentos negativos que possamos legitimamente sentir face ao que nos é mostrado. Todavia, essa tentativa de suavização dos acontecimentos – que muitas vezes se dá por deliciosos alívios cómicos – impede o seu crescimento mais sério e factual. Não que isso seja forçosamente mau, até porque “Philomena” acaba por ser o filme mais leve e divertido de todos os nomeados para o Óscar de Melhor Filme, mas o tom não deixa que este ambicione ser um pouco mais do que um filme doce.

Contudo, independentemente dessa sua característica, está-se a falar de um filme britânico. Quer isto dizer que tudo – mesmo tudo – está meticulosamente trabalhado de modo a que não haja um elo mais fraco. Os valores de produção, com destaque para a direção de fotografia e composição sonora, são de alto nível assim como o seu atrevido argumento da autoria do ator Steve Coogan e de Jeff Pope que, a espaços, implementa um aprazível realismo face a situações do quotidiano, sendo também capaz de manter o ritmo (e o tom cómico) – e, desta forma, nada se parece disforme ou fora do contexto.

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Argumento atrevido porque, apesar da narração factual e da sua relativa simplicidade, não se coíbe de acidificar determinados pontos, oferecendo uma crítica concreta ao catolicismo e aos seus costumes e crenças mas também ao muito falado e amoral “interesse humano” do cínico jornalismo. A realização certeira e humana de Stephen Frears e a química entre o espantoso Steve Coogan (aqui no papel de ator) e uma sempre segura e poderosa Judi Dench, no corpo de uma personagem dona de uma ingenuidade adorável (embora tenhamos muitas dúvidas se esta tenha sido suficientemente boa para roubar o lugar à sua conterrânea Emma Thompson nos Óscares), são trunfos importantes para que o todo seja, no geral, maior do que a soma das suas partes.

É no equilíbrio da sua mensagem que encontramos o maior trunfo de “Philomena”. Curiosamente, não vislumbramos no sofrimento contínuo de uma mãe que não vê o seu filho há cinquenta anos nenhuma réstia de revolta, aversão e perversidade. Antes pelo contrário. Vemos na personagem de Judi Dench uma pessoa atenta aos alegres detalhes, capaz de exaltar os mais singelos pormenores que a remetessem para o seu filho roubado sob terríveis circunstâncias e, sobretudo, uma pessoa equilibrada, tal como o filme, num misto de drama trágico e comédia tonificante. Mais importante que isto: vemos alguém capaz de perdoar por todo o mal que lhe fizeram. E por tudo isto, saíamos da sala com a clara sensação de que aprendemos ali, durante pouco mais de hora e meia, uma verdadeira lição de vida e para a vida.

DR

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