Bradley Cooper e Jennifer Lawrence | © 2012 The Weinstein Company

Guia para um Final Feliz, em análise

 

slp poster Título Original: Silver Linings PlaybookRealizador: David O. Russell

Elenco: Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Robert DeNiro

Género: Comédia, Drama, Romance

ZON | 2012 | 122 min

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É sempre subjetivo falar dos melhores filmes de 2012, uma vez que tal distinção existe em tanto número, como existem pessoas a ver cinema – sejam eles especialistas ou não. De todo o modo, “Guia para um Final Feliz” pode não ser um dos integrantes mais óbvios de tais listas, mas é sem dúvida um dos mais enriquecedores a nível emocional e humano.

A vida nem sempre corre da forma que esperamos, e assim foi para Pat Solatano, um antigo professor de história que perdeu tudo – a casa, o emprego, a mulher. Depois de passar oito meses num programa de terapia intensiva por ordem do tribunal, Pat volta a viver com os pais, determinado a reconstruir a sua vida à custa de chavões otimistas que, no seu cenário ideal, o voltarão a reunir feliz com a mulher, apesar das circunstâncias… peculiares que envolveram a separação. No entanto, quando Pat conhece Tiffany, uma mulher que tanto tem de misteriosa como de psicologicamente problemática, as coisas complicam-se, ao bom estilo do arco da comédia romântica. Tiffany promete ajudar Pat a voltar para a mulher, mas apenas se ele lhe retribuir um importante favor. Juntos descobrem que a luz ao fundo do túnel não estava assim tão longe, no final de contas.

silver linings playbook

Se a sinopse (que é a oficial, disponibilizada pela Weinstein Company), ou até o trailer, parecem ser demasiado reveladores do arco do enredo e das próprias personagens, é porque, de facto, são. Não por culpa própria, mas de uma entidade mais estrutural, digamos. Mas é naqueles pequenos saltos de fé, onde embarcamos numa viagem aparentemente previsível e sem surpresas, que acabamos por descobrir uma pequena pérola de valor inestimável.

Baseado no romance homónimo de Matthew Quick, “Guia para um Final Feliz” é uma acidentada comédia romântica com língua afiada e espírito generoso.

Muito à semelhança dos seus filmes anteriores, especialmente “The Fighter – Último Round” (2010), David O. Russell conta com um grupo de personagens frágeis lidando com os seus demónios interiores, apoiando-se numa família consideravelmente disfuncional.

A conformidade entre os sucessos do presente e passado do realizador não terminam, contudo, aqui. Na verdade, “Guia para um Final Feliz” pode muito bem ser para a Comédia Romântica aquilo que “The Fighter – Último Round” foi para os dramas desportivos. A estrutura formulaica é outro ponto comum – sendo que o seu filme de 2010 também seguiu os traços estruturais do arco desportivo do “underdog” que acaba por triunfar. Russel é especialista em transformar esqueletos repetitivos em corpos únicos, surpreendentes e perspicazes, deixando que a imperfeição da condição humana se desenrole em todo o seu maior esplendor e simplicidade.

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O cliché, ainda que estruturalmente presente, é completamente codificado pela população do enredo por situações tão humanas que explicam com clareza o porquê da existência de tais clichés, dando-lhes assim um sentido e razão de ser renovados. As personagens imaculadamente escritas não dizem ou fazem ou que poderia ser descrito com a palavra “perfeição”, o que as torna flagrantemente humanas em essência.

David O. Russell mantém a ação a um ritmo entusiasmante e, ele próprio, louco.

Numas mãos menos capazes, não sei bem o que seria dele. Ou por outra, sei – humor mais fácil, personagens mais quadradas, clichés mais carregados e vazios. Mas felizmente temos o tempestuoso O. Russell na liderança, e o realizador criou uma belíssima ode neurótica a um grupo disfuncional de pessoas que apenas tentam encontrar o seu lugar no mundo, enquanto enfrentam as dificuldades auspiciadas por aquelas peças da personalidade e espírito humano que teimam em apresentar anomalias mecânicas. O trabalho de câmara é energético e o estilo é intencionalmente duro e desarrumado, a fazer lembrar um pouco do estilo de Robert Altman. O toque de Russell está presente em cada passagem desta peça barulhenta e ritmada.

Tal como o seu protagonista, “Guia para um Final Feliz” é irremediavelmente otimista, e se a vida já tem tantos finais infelizes, porque é que as nossas histórias não podem ser esperançosas e olhar com expectativa o intensamente repetido “silver lining”.

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Apesar de ter sido considerado o homem mais sexy do mundo pela “People” em 2011, Bradley Cooper necessitava urgentemente de uma reviravolta na carreira, e 2012 parece ter sido o ano perfeito para ela acontecer, tendo como ponto de partida o filme de O. Russell. Cooper é uma revelação, saltitando entre as várias cascas que envolvem o personagem com uma facilidade que nunca lhe tínhamos reconhecido antes.

Mas a destacar a pertença a alguém, esse alguém é indubitavelmente Jennifer Lawrence, a miúda fenómeno que vem tomando o mundo de assalto desde a sua “estreia” aos olhos públicos em “Despojos de Inverno”, em 2010 (apesar de ter iniciado a carreira cinematográfica de forma tímida mas sólida dois anos antes). À imagem de Tiffany, Lawrence é uma autêntica força da natureza, magnética ao ponto de roubar atenções em toda e qualquer cena que protagoniza, seja numa cena íntima dividida a dois, ou num plano geral e superpopulado, que domina com a magia única, nascida e desenvolvida nos raros casos em que se observa uma estrela em nascimento.

As nuances e honestidade que emprestou à personagem são fenomenais, colocando-a na linha da frente nos variados confrontos amigáveis que anualmente distinguem os melhores do ano (a sua maior competição será, como se ouve repetidamente falar, Jessica Chastain, de “00:30 – Hora Negra”).

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Cooper e Lawrence repelem-se tanto quanto são atraídos um pelo outro, e o dinamismo criado por ambos é de uma eletricidade difícil de resistir. O seu primeiro encontro é faiscante, não propriamente de uma forma romântica ou sexual, mas por confrontar duas forças indomáveis únicas. A química entre ambos é espinhosa e eletrizante, e a performance de ambos ajuda a enevoar o facto de que um tem 37 anos e o outro apenas 22.

Quanto a Robert DeNiro, é óbvio que não é notícia para ninguém que é um ator ímpar; a novidade surge porém da aparente sanidade que lhe regressou à escolha de papéis, e que andava algo ausente na última década – talvez saída para comprar cigarros, e agora finalmente regressada.

A australiana Jacki Weaver (que vimos há tempos em “Animal Kingdom”, 2010) é uma presença quente e reconfortante, e surpreendentemente, Chris Tucker mostra que sabe realmente ser engraçado, quando enquadrado num bom material e direção segura.

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Superficialmente, “Guia para um Final Feliz” pode parecer difícil de engolir – tem tudo para não funcionar. Mas funciona, e de uma forma de rara, ainda que de simples beleza. O apelo é o de um entusiasmante crowd-pleaser capaz de chegar a todos, mas é a sua capacidade de explorar a mente e espírito dos seus personagens a um nível tão profundo e de forma tão afetuosa que o torna um fenómeno. De alguma forma ou várias, “Guia para um Final Feliz” é familiar, mas parece diferente e fresco, ao mesmo tempo que profundamente sincero e honesto.

É um pouco a história da grafite e do diamante, que apesar de semelhantes em composição (ambos formas alotrópicas do carbono), não podiam encontrar diferenças mais relevantes na sua natureza.

Uma combinação de condições transforma o primeiro – comum e barato – no segundo – raro e o rei das pedras preciosas. Pode bem ter sido isso que David O. Russell conseguiu. E o mundo era um lugar melhor e mais rico se todas as comédias românticas tivessem em si um pouco de “Guia para um Final Feliz”.

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