Jovem e Bela, em análise
Em “Jeune & Jolie”, Isabelle (Marine Vacth) salta de quarto de hotel em quarto de hotel, após agendamento de encontros com homens mais velhos. Em “Jeune & Jolie”, Isabelle é uma adolescente a habitar com a mãe, o padrasto e o irmão mais novo, num ambiente saudável e sem indícios de conflitos de maior. Em “Jeune & Jolie”, é relatado o percurso de uma rapariga cujo auto-conhecimento sexual se materializa através de um comportamento patológico (?), errante e descontrolado.
Mas qual a intenção de François Ozon, para além daqueles elementos? Ou, colocando-o de forma mais aberta e clara, porquê? Quais os motivos? O que conduz à postura relacional de Isabelle? A verdade é que se navega durante toda a película na esperança de descobrir de que padece a bela detentora de semblante sofredor e, tal como uma promessa perdida, a história foge-nos cruelmente. Melhor: a história corre pela rama, voa sobre a floresta, lê na diagonal. Até a própria abordagem à internet e sua influência no argumento em questão não deixa de ser ténue, superficial.
Embora se perceba que é essencialmente perdida que Isabelle se sentirá; confusa; sem norte; flutuamos numa ausência de explicação no que concerne à sua atitude. Busca ilimitada do prazer? Objectivo de satisfação financeira acima das suas possibilidades actuais? Apatia, indiferença, crise (grave) da idade, um simples “deixar-se ir”?
A consistência de Géraldine Pailhas e Frédéric Pierrot é notória no papel de pais sem noção da vida dupla de Isabelle. E, mais tarde, no papel de conhecedores do disfarce. É como se, mesmo que algo diferente do habitual suceda um dia, desde que, a este respeito, seja inventada uma história que encaixe na perfeição nesse episódio atípico, não existam motivos para desconfiar da aparentemente ingénua e inocente rapariga de 17 anos. Seja Isabelle uma ‘call girl’, fosse ela uma toxicodependente, ou sofresse ela de alguma patologia psíquica que a levasse a esconder-se, a si e ao mundo que não pretende partilhar com a família e amigos. É que, regra geral, os pais, a príncipio, confiam e descansam. Até prova em contrário.
O vazio em termos de construção emocional ou passado da personagem contrasta com tantas outras realizações do género, abundantes de substância e carácter motivacional. Mas realmente, não há uma regra que imponha essa justificação. Muito embora esta característica da criação de F. Ozon salte à vista, outras obras existem, e dentro de um tema semelhante, onde as motivações ficam na penumbra ou são simplesmente referenciadas ‘en passant’.
Olhos expressivos de simultânea indiferença, frieza e melancolia cortam qualquer possível ligação de ternura e simpatia entre nós e Isabelle. Onde parece existir tristeza infinita, não há entrega nem doçura. Não deixa de ser misteriosa, essa presença.
Quem é Isabelle? Afinal, quem é Isabelle?
Sofia Melo Esteves