LEFFEST ’17 | How to Talk to Girls at Parties, em análise

Música punk, aliens e Nicole Kidman é a receita que John Cameron Mitchell empregou para cozinhar a sua mais recente loucura cinematográfica, “How to Talk to Girls at Parties”. Este é um dos filmes em competição na presente edição do Lisbon & Sintra Film Festival.

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Em 1977, algures em Croydon, três adolescentes intoxicados de amor pelo movimento punk viram as costas às celebrações do jubileu da rainha, para irem a um concerto organizado pela intimidante rainha do undergroung musical, que dá pelo nome de Bodicea. Ela é interpretada por Nicole Kidman que está caracterizada como um híbrido entre Siouxsie Sioux e a personagem de David Bowie em “Labirinto”. Na tentativa de arranjarem alguma rapariga insuspeita que se digne a dormir com eles, o trio tenta ir a uma after party para a qual não foram convidados, mas acabam por se deparar com algo muito mais bizarro e perigosamente sedutor. Especificamente, os três adolescentes ingleses dão de caras com o que, inicialmente, parece ser um culto de coloridos californianos que gritam como baleias e se vestem como Teletubbies sadomasoquistas. É evidente que, na verdade, o trio se deparou com um grupo de turistas extraterrestres.

Adaptado muito livremente do conto homónimo de Neil Gaiman, “How to Talk to Girls at Parties” é a quarta longa-metragem de John Cameron Mitchell que, depois de ter molhado os pés nas águas do cinema de prestígio com “O Outro Lado do Coração”, volta aqui aos devaneios anárquicos que marcaram a sua estreia no grande ecrã. Não que esta seja uma obra tão disciplinada ou concetualmente complexa como “Hedwig – A Origem do Amor”. Em contraste, esta é uma insana viagem até aos limites da imaginação da sua equipa criativa que inclui, para além de Gaiman e Mitchell, figuras tão geniais como a figurinista Sandy Powell e os compositores Nico Muhly e Jamie Stewart. Este é um festim sensorial com insólitos trocadilhos e convenções narrativas subvertidas por reviravoltas grotescas. Este filme é uma confusão cheia de problemas, mas essa natureza imperfeita e caótica é, no final, algo intrínseco do seu charme.

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Voltando à história em si, quando entram sem convite nas celebrações dos visitantes de outro planeta, os três jovens separam-se e cada um se depara com uma experiência singular. O gorducho e amistoso John deixa-se levar pelos cânticos e coreografias inumanas dos alienígenas. Vic, um rapaz de cabelo oxigenado com pretensões de ser um Casanova punk, pensa ter ganho a sorte grande quando uma mulher vestida em borracha preta e laranja o leva para uma sala com baloiços eróticos, mas acaba por sair de lá a correr quando ela o penetra com os dedos e depois expele um gémeo masculino do seu corpo.

Enn, o último membro do trio e o editor e ilustrador da fanzine assinada pelo grupo de amigos, depara-se com algo muito diferente, uma jovem curiosa e rebelde que lhe pede para ele a levar ao punk e o acompanha para fora da estranha festa. Ela é Zan e tem 48 horas de dispensa especial para conviver com os nativos do planeta. Horas essas, que ela planeia passar ao lado de Enn, descobrindo as maravilhas do que é ser humano e, é claro, as maravilhas do punk. Os dois apaixonam-se, como seria de esperar neste tipo de história.

A tudo isto junta-se um conflito interno à sociedade de aliens que, no fim de cada viagem, vê os seus membros mais jovens serem devorados pelos seus “pais-professores”, assim como uma série de questões pseudo filosóficas sobre as tendências de consumo sem limites da humanidade, a apologia do individualismo do punk, algumas considerações neo hippie sobre a vida e até metáforas confusas sobre a adaptação a adversidades como elemento essencial da existência do ser humano. Em resumo, uma salganhada de ideias mal desenvolvidas e vagamente incongruentes que têm vindo a irritar inúmeros críticos desde que o filme viu a luz do dia no Festival de Cannes deste ano. A melhor forma de desfrutar de “How to Talk to Girls at Parties” é não esmiuçar em demasia tais ideologias e fazer como Zan que, ao ouvir Enn explicar como os vírus são para ele um símbolo de liberdade, confessa que achou a metáfora confusa e insegura, mas também comovente.

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De facto, esta é uma história bastante comovente para quem se deixar levar pelas suas excentricidades, especialmente graças a Elle Fanning e Alex Sharp como Zan e Enn. Pela sua parte, Fanning consegue fazer de Zan algo mais que uma piada visual, usando grandes doses de charme inato para fazer a audiência apaixonar-se pela sua rebelde extraterrestre em momentos tão estranhos como um beijo interrompido por um repentino vómito. Fanning é uma especialista em retratar adolescentes rebeldes e, como mostrou o ano passado com “The Neon Demon”, é igualmente capaz de adaptar a sua presença às exigências hiperestilizadas de filmes mais interessados em estética que em narrativa – Zan conjuga estes talentos no que é, possivelmente, a mais complicada e destemida criação da jovem atriz até ao momento.

Sharp é menos espetacular que Fanning, mas o seu papel é necessariamente menos espetacular que Zan. O que o ator vencedor de um Tony traz ao filme de Mitchell é uma inesperada dose de vulnerabilidade e imaturidade juvenil que ancoram até as cenas mais estrambólicas numa realidade emocional humana. O resto do elenco é uma amálgama meio inesperada que inclui Matt Lucas, Tom Brooke, Joanna Scanlan e Ruth Wilson, entre outros. Wilson, em particular, traz uma boa dose de severidade sensual e inesperado humor sardónico a um filme cuja maior mais-valia é a sua incondicional sinceridade e sentimentalismo. A já referida presença de Nicole Kidman é talvez a mais genial escolha de casting do filme.

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A atriz australiana é uma das piores escolhas imagináveis para uma soberana niilista do punk britânico exilada em Croydon, sendo a persona de Kidman completamente anódina ao tipo de ferocidade anárquica que o papel demanda, para nada dizer da incapacidade de Kidman imitar sotaques. No entanto, a fricção entre atriz e personagem é maravilhosamente grotesca, errada, feia, ou seja, perfeita para um filme punk. Porque, na verdade, “How to Talk to Girls At Parties” é mesmo uma festa em forma de filme, uma inebriada celebração nostálgica do punk e das possibilidades de o cinema materializar as mais bizarras imagens que a mente consegue conceber.

Noutro filme, os figurinos doidos de Powell seriam demasiado distrativos, a incoerência concetual do guião seria destrutiva e a prestação de Kidman seria catastrófica. No entanto “How to talk to girls at Parties” não é esse infeliz filme, talvez graças à convicção sem limites dos seus criadores, talvez devido à sua já referida sinceridade sentimental. Independentemente de tais considerações, o filme funciona, nem que seja por milagre e é um dos eventos cinematográficos mais deliciosos do ano – apenas aconselhado a espetadores cujo palato tolere este tipo de desenvergonhada indisciplina.

 

How to Talk to Girls at Parties, em análise
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Movie title: How to Talk to Girls at Parties

Date published: 22 de November de 2017

Director(s): John Cameron Mitchell

Actor(s): Alex Sharp, Elle Fanning, Nicole Kidman, Ruth Wilson, Matt Lucas, Tom Brooke, Joanna Scanlan, Ethan Lawrence, Abraham Lewis

Genre: Comédia, Romance, Música, Ficção-Científica, 2017, 102 min

  • Claudio Alves - 80
  • José Vieira Mendes - 70
75

CONCLUSÃO

A quarta longa-metragem de John Cameron Mitchell é uma divertida extravagância punk com toques de camp e muita nostalgia chorosa. Fanning, Powell e Kidman fazem milagres, mesmo quando as suas escolhas transcendem as barreiras estandardizadas do cinema bem-feito.

O MELHOR: Os figurinos de Sandy Powell, que fazem de Croydon em 1977 uma terra de contos-de-fadas punk e vestem um grupo de extraterrestres como cruzamento entre praticantes de performance art e apresentadores de programas infantis.

O PIOR: O epílogo passado nos anos 90 é desnecessário e a maquilhagem de envelhecimento aplicada a Sharp é muito pouco convincente, mesmo que a sua tentativa desesperada de dar um final indubitavelmente feliz a esta história seja louvável.

CA

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