10 Melhores Filmes Portugueses de 2025 by MHD
O ano em que o nosso cinema brilhou lá fora, ardeu cá dentro e quase ninguém deu por isso. Entre feridas coloniais, precariedades modernas e fantasmas históricos, 2025 provou que o cinema português continua bem vivo. Às vezes só não há quem repare nele e poucos o vão ver às salas.
Tem havido anos em que o cinema português parecia andar de muletas, e outros em que, apesar do crónico orçamento mínimo, se ergue com uma altivez quase irritante. 2025 foi isso: um ano teimoso. Vários filmes portugueses — discretos ou orgulhosamente autorais — tentaram fazer aquilo que sempre tentam: existir num mercado que não quer saber deles, competir com blockbusters de 200 milhões e provar que o cinema nacional não é uma penitência cultural, mas um serviço público.
Foi também um ano de certezas: continua a fazer-se bom cinema de autor; mantém-se a recusa do entretenimento fácil; persiste a crença de que a complexidade é uma virtude; e, por estranho que pareça, continuam a produzir-se obras que, além de premiadas, poderiam perfeitamente ser estudadas lá fora, mesmo quando quase ninguém as vê cá dentro.
Dizem que o cinema português vive numa bolha. Talvez. Mas dentro dessa bolha cabe o país inteiro: culpas, memórias, desigualdades, fantasmas coloniais, precariedades, saudades, quedas e pequenas iluminações. Esta lista reúne não apenas os melhores filmes portugueses estreados em 2025, mas também um retrato possível de quem somos: um país que tropeça no passado, desconfia do futuro e tenta não perder o humor, às vezes bastante negro.

10 – Portugueses
- 2025 | Musical | 120 min
- Com Oceana Basílio, Miguel Damião, Ana Lopes
- Realização Vicente Alves do Ó
Com uma proposta musical e dramática, “Portugueses” recria um momento que antecede o 25 de Abril de 1974, onde um jovem fugitivo da ditadura encontra refúgio e orientação num homem mais velho, num cenário marcado pela opressão política. O filme é uma celebração da luta pela liberdade e pela democracia, utilizando canções emblemáticas do cancioneiro popular português, como “Grândola Vila Morena”, de Zeca Afonso, e “Que força é essa”, de Sérgio Godinho, entre outras (são 13), para contar uma história de resistência e esperança. O elenco de cantores e actores é imenso; a direcção musical de Lúcia Moniz e a brilhante realização de Vicente Alves do Ó tornam este filme um tributo vívido à Revolução dos Cravos.

9 – Lindo
- 2023 | Documentário | 90 min
- Realização Margarida Gramaxo
“Lindo” é um gesto de cinema feito com tempo, escuta e respeito pela natureza. Sem recorrer a dramatizações forçadas nem a discursos moralistas, Margarida Gramaxo constrói uma obra sensível que honra a transformação do seu protagonista e convida o espectador a repensar a sua relação com a natureza. Se a narrativa por vezes se dilui num registo contemplativo excessivo, a verdade é que o filme encontra força na sua delicadeza e coerência emocional. Uma estreia promissora da realizadora, que prova que o cinema pode ser político mesmo quando sussurra baixinho: a beleza serena e não forçada das imagens captadas na Ilha do Príncipe; a construção íntima de Lindo (Manuel da Graça) como símbolo de transformação e pertença; o respeito ético e estético pela comunidade retratada; a banda sonora e o desenho sonoro que ampliam a experiência sensorial; a recusa do didatismo e o tom contemplativo que convida à reflexão.

8 – A Vida Luminosa
- 2025 | Drama | 99 min
- Com Francisco Melo, Cécile Matignon, Federica Balbi
- Realização João Rosas
Lisboa pode ser uma cidade luminosa, mas nem sempre o é por dentro. Em “A Vida Luminosa”, João Rosas dá-nos uma comédia agridoce sobre os vinte e poucos anos, quando ainda se espera tudo da vida… e ela insiste em não acontecer. Nicolau (Francisco Melo) está estagnado, como tantos outros, entre biscates, frustrações amorosas e o sofá da casa dos pais. Mas é quando percebe que até a mãe desistiu do guião da vida perfeita que decide reescrever o seu. Com humor discreto, ternura desarmante e zero pretensões, Rosas filma o desencanto com leveza e autenticidade. Um filme pequeno, mas cheio de verdade. E sim: há esperança para o cinema português e está aqui, entre bicicletas, papelarias e corações que voltam a andar.

7 – Sonhar com Leões
- 2024 | Drama, Comédia | 85 min
- Com Denise Fraga, João Nunes Monteiro, Joana Ribeiro
- Realização Paolo Marinou-Blanco
Em “Sonhar com Leões”, acompanhamos Gilda (Denise Fraga), uma ex-professora brasileira à beira da morte, que, após várias tentativas de suicídio, se junta a Amadeu (João Nunes Monteiro), um agente funerário órfão. Juntos, embarcam numa jornada surreal e distópica, explorando o tema da eutanásia numa sociedade marcada pela mercantilização da morte. Este filme, que mistura comédia negra e drama existencial, faz uma sátira mordaz à morte, à escolha individual e à desumanização das questões vitais, através de interpretações intensas que conectam emocionalmente o público com a complexidade da existência e da finitude. E, ao mesmo tempo, sorrindo.

6 – Lavagante
- 2025 | Drama | 92 min
- Com Francisco Froes, Nuno Lopes, Júlia Palha
- Realização Mário Barroso
Em “Lavagante”, Mário Barroso filma com rigor e elegância um conto inacabado de José Cardoso Pires, transformado em testamento cinematográfico por António-Pedro Vasconcelos. Estreado no centenário do escritor — que faria 100 anos a 9 de Outubro — o filme é também uma homenagem ao seu legado literário, marcado pelo olhar crítico e pela arte da sugestão. É uma história sobre amor, desilusão e resistência num Portugal abafado pela censura e pela polícia política dos anos 60. Júlia Palha e Francisco Froes habitam personagens dilaceradas entre desejo e medo, num cenário onde a repressão ameaça contaminar o íntimo. A beleza plástica da fotografia (também de Barroso) contrasta com a dureza da narrativa: a revolta estudantil de 1962, a PIDE, a prisão. Mais do que um drama de época, “Lavagante” é um gesto de reparação histórica e artística, que junta três nomes fundamentais da cultura portuguesa — Pires, Vasconcelos e Barroso — numa última travessia entre as sombras da ditadura e a luz da liberdade.

5 – Justa
- 2025 | Drama | 110 min
- Com Betty Faria, José Ricardo Vidal, Filomena Cautela, Madalena Cunha, Alexandre Baptista
- Realização Teresa Villaverde
“Justa” é cinema de resistência, da arte e da emoção. Um filme que não pede aplausos, pede presença. Teresa Villaverde continua fiel à sua linguagem única: feita de dor, ternura e uma obstinação em filmar o invisível. Ao contrário da maioria do cinema contemporâneo, que vive da pressa e da explicação, “Justa” obriga-nos a abrandar, a escutar, a ver com o coração. É um gesto radical de confiança na sensibilidade do espectador. Um filme que queima devagar — como aliás a tragédia dos incêndios de 2017 — mas ilumina muito depois de o ecrã escurecer. Betty Faria transforma a cegueira em luz interior; Villaverde filma o trauma sem espectáculo, dando-lhe uma dimensão íntima e quase espiritual; a fotografia e o som, num trabalho rigoroso, criam verdadeira imersão emocional.

4 – A Memória do Cheiro das Coisas
- 2025 | Drama | 96 min
- Com Mina Andala, José Martins, Cláudia Carvalho
- Realização António Ferreira
“A Memória do Cheiro das Coisas” deixa-nos um nó na garganta e, ao mesmo tempo, uma serenidade rara. É um filme pequeno em gestos, mas imenso em humanidade. Essa serenidade é também o seu maior trunfo, num filme que pede tempo, respiração e disponibilidade emocional. António Ferreira oferece uma experiência sensorial e moral, um convite à empatia num país que ainda cheira a silêncio e onde, por vezes, é preciso um filme assim para voltarmos a sentir o que foi a Guerra Colonial e os seus efeitos. Ferreira confirma-se como um dos cineastas portugueses que melhor filma o silêncio — aquele que fica depois das palavras gastas e José Martins assina a melhor interpretação da sua carreira: discreta e devastadora. Mina Andala, com a sua presença luminosa, traz equilíbrio e dignidade, impedindo o filme de cair na pura melancolia.

3 – On Falling
- 2025 | Drama | 104 min
- Com Joana Santos, Inês Vaz, Neil Leiper
- Realização Laura Carreira
“On Falling” oferece-nos um retrato social sombrio da vida de Aurora (Joana Santos), uma jovem migrante portuguesa que luta contra a exploração laboral num armazém na Escócia. Com estética minimalista e realismo social, o filme evoca a dura realidade dos imigrantes em busca de uma vida melhor, onde a desumanização e a ausência de alternativas são palpáveis. Este drama, com ecos do cinema de Ken Loach, apresenta uma crítica feroz à exploração dos trabalhadores migrantes, trazendo à tona uma narrativa comovente e honesta sobre a sobrevivência no sistema laboral contemporâneo.

2 – Banzo
- 2024 | Drama | 127 min
- Com Carloto Cotta, Hoji Fortuna, Rúben Simões
- Realização Margarida Cardoso
A acção situa-se em 1907, quando Portugal vivia os últimos e dramáticos anos da monarquia e do Império Colonial. Um médico, interpretado por Carloto Cotta, desembarca em S. Tomé e Príncipe, vindo do Norte de Angola. Observamos o dia-a-dia de uma colónia africana e das roças de cacau, as rotinas das várias personagens e as relações entre elas num mundo fechado, marcado por classe, religião e poder. A palavra que dá nome ao filme, “banzo” (do quimbundo mbanza, aldeia), designa uma moléstia profunda que levava muitos escravos ao suicídio — uma melancolia extrema causada pela perda de liberdade, pela violência e pela saudade da terra de origem. Do primeiro ao último fotograma, este filme transporta-nos para uma humanidade ferida e universal, revelando rostos, contradições, limites e abismos da condição humana.

1 – O Riso e a Faca
- 2025 | Drama | 211 min
- Com Sérgio Coragem, Cleo Diára, Jonathan Guilherme
- Realização Pedro Pinho
O drama etnográfico “O Riso e a Faca” transporta-nos até à Guiné-Bissau, onde um engenheiro português, Sérgio (Sérgio Coragem), investiga os impactos de uma estrada em construção. A sua missão muda de rumo quando se depara com o mistério do desaparecimento de um engenheiro italiano e se envolve com dois locais, Diára (Cleo Diára) e Gui (Jonathan Guilherme). Este filme notável oferece uma visão incisiva sobre corrupção, moralidade e resistência africana aos clichés ocidentais sobre desenvolvimento e civilização. Subverte o olhar eurocêntrico e denuncia a exploração de recursos africanos, proporcionando uma reflexão pungente sobre as complexidades do colonialismo tardio e da intervenção humanitária. Cleo Diára venceu o Prémio de Melhor Actriz na secção Un Certain Regard, no Festival de Cannes 2025.
2026: As Tendências do Ano
Olhando para estes dez títulos lado a lado, percebe-se que 2025 não foi um ano para distrações. Nada de romances leves, nada de feel-good movies embalados por finais reconfortantes. O cinema português voltou a mergulhar no que dói, no que incomoda, no que ainda não digerimos.
O peso da História
Colonialismo, pós-colonialismo, guerra, ditadura — Portugal continua amarrado ao passado, e o passado continua a não nos largar. “O Riso e a Faca”, “Banzo”, “A Memória do Cheiro das Coisas”, “Lavagante” e “Portugueses” confrontam memórias que teimam em não cicatrizar. Lá fora admiram esta frontalidade; cá dentro, muitos espectadores fogem, talvez porque estes filmes lembram aquilo que preferimos esquecer.
A dor contemporânea
Precariedade laboral, migração e angústia da juventude continuam a ser matéria-prima de um cinema que fala baixo, mas acerta no alvo. “On Falling” e “A Vida Luminosa” captam o desamparo moderno com precisão e frontalidade. São filmes sobre quedas, mas quedas com dignidade.
A ideia de comunidade
“Lindo” e “Portugueses” mostram que a pertença continua a ser um tema central. Um procura a harmonia com a natureza; o outro, a força da união colectiva. Portugal é, afinal, um país onde a salvação — quando existe — raramente é solitária.
O cinema de autor como resistência
Villaverde, Ferreira, Cardoso, Pinho, Barroso, Rosas — várias gerações de realizadores para quem “mercado” é uma palavra irrelevante. Os seus filmes pedem tempo, silêncio, disponibilidade emocional. Num país habituado a consumir imagens como quem passa stories, isto torna-se, ironicamente, um acto político.
A eterna maldição: poucos espectadores
O clássico: filmes premiados, aplaudidos, elogiados… e depois estreados em salas quase vazias. Fazemos bom cinema, mas continuamos sem encontrar o caminho para o coração — ou simplesmente para a curiosidade — do público português. O problema não é novo, mas insiste em permanecer.
Conclusão
2025 mostrou, mais uma vez, que o cinema português não precisa de pedir desculpa por existir, precisa apenas de ser mais visto. Continua a filmar o que dói, o que falha, o que ficou por resolver e o que não cabe nos discursos oficiais. Continua teimoso, obsessivo, autoral até ao osso. E, nesse gesto de persistência, nasce o milagre: filmes para recordar, discutir e guardar. Se o público lhes dará finalmente atenção? Talvez um dia. Até lá, enquanto houver um realizador português a filmar contra todas as probabilidades, o cinema português continuará vivo mesmo que respire melhor nos festivais do que nas salas cá dentro.
JVM

