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Morreu Ricardo Neto, lenda da animação portuguesa

Ricardo Neto transformou desenhos em mundos, a sua morte deixa-nos órfãos de um dos maiores visionários do imaginário português.

Durante anos, o nome dele surgia tímido nos genéricos, entre camadas de cor e silêncio. Mas por trás de cada traço, de cada movimento cuidadosamente desenhado, havia a mão segura e apaixonada de Ricardo Neto. Realizador, animador, contador de histórias e, acima de tudo, um dos fundadores de algo que em Portugal parecia impossível: uma tradição de cinema de animação.

Agora, com a notícia da sua morte, resta-nos recordar quem pôs a televisão a acordar para o universo do desenho animado feito cá, em casa.

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Morreu Ricardo Neto, o autor de “O Romance da Raposa”

Ricardo Neto
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O anúncio da morte chegou esta terça-feira, 22 de julho de 2025. A Casa da Animação comunicou a partida de Ricardo Neto, descrevendo-o como “um dos principais pioneiros do cinema de animação”. Tinha 87 anos e uma vida inteira de frames a cores cheios de alma.

Ricardo Neto nasceu em Lisboa a 18 de novembro de 1937. Começou a sua carreira em 1962, entre bobinas publicitárias e estúdios como a Prisma e a Êxito. Ali cruzou-se com outros nomes da história da animação, como Mário Neves e Servais Tiago. Mas foi já na década de 1970 que decidiu fundar, com Artur Correia e Armando Ferreira, a Topefilme, uma produtora que viria a ser pedra angular do setor.

Assim, entre os seus trabalhos mais emblemáticos está O Romance da Raposa, série de animação baseada na obra homónima de Aquilino Ribeiro, adaptada por Maria Alberta Menéres. Ricardo Neto estreou-se na RTP em 1987 e marcou um momento histórico: foi a primeira série de animação feita inteiramente em Portugal a ser exibida em televisão.

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Quando os desenhos ganharam um lar

Ricardo Neto
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A fundação da Topefilme, em 1973, foi um gesto revolucionário. Como refere o historiador Paulo Cambraia, tornou-se um marco na animação portuguesa. Porquê? Porque deu espaço físico e artístico a uma geração de animadores que não existia antes. Portanto, pela primeira vez, houve em Portugal uma produtora inteiramente dedicada a fazer do desenho movimento e do movimento, narrativa.

A Topefilme esteve ativa até 1994 e assinou não só séries mas também várias curtas-metragens. Assim, algumas das mais memoráveis foram O Tapete Vivo, O Mistério da Semente no Jardim, As Aventuras do Rabanete Saltitão e A Lenda do Mar Tenebroso. Em todas elas, nota-se uma obsessão bela: fazer com que o fantástico nunca deixasse de ser humano.

Mas mesmo fora da ficção pura, Ricardo Neto não abandonava a criatividade. Logo, trabalhou em filmes promocionais como Torralta – Sincopado ou em sátiras animadas como Patilhas e Ventoinha: O Caso da Mosca da TV, criado com os Parodiantes de Lisboa. Era uma animação que não pedia desculpa por ser local, por ter sotaque, por ser feita com poucos meios mas com muito engenho.

A herança que não morre

Na nota da Casa da Animação, lê-se: “Eterna gratidão pela ousadia com que o Ricardo Neto e os seus companheiros tiveram na criação de uma produtora para dar vida aos seus desenhos, às suas histórias e aos seus sonhos, tornando-se assim o ponto de partida para o cinema de animação tal como hoje o conhecemos.” Uma frase que, por si só, resume o impacto.

O nome de Ricardo Neto merece ser lembrado, não como o único, mas como um dos muitos pilares que sustentam a história da animação portuguesa. Tal como ele, há outros nomes que o tempo injustamente empurrou para as margens da memória. Um deles é Joaquim Guerreiro, realizador de O Pesadelo do António Maria (1923), considerado o pai da animação em Portugal.

Num país que raramente valoriza os seus pioneiros, importa lembrar que cada traço de hoje se desenha sobre os traços de ontem. A animação portuguesa é feita de muitos começos e todos merecem o seu lugar no ecrã da História.

E tu? Recordas-te de O Romance da Raposa? Ou talvez uma outra obra de Ricardo Neto que te tenha marcado? Partilha nos comentários.



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