NOS Primavera Sound | Uma força da natureza de nome Patti Smith

Aviões rasgavam o céu, transeuntes praticavam o jogging vespertino do seu quotidiano, o sol reinava, o público não escondia a excitação. Foi assim que foi recebida a enorme Patti Smith. 

Mas o dia começara antes, com os luso-brasileiros da Banda do Mar. Os sons de Mallu, Marcelo e Fred combinavam de forma harmoniosa com a fotossíntese que se fazia em frente ao Palco NOS. Arrojo e intensidade não eram de esperar em abundância, mas a suavidade das melodias primaveris acabariam por ser um bom começo para o memorável dia  que se seguia.

Faltavam poucos minutos para as 18h e iniciávamos as caminhadas entre palcos que o NOS Primavera Sound proporciona (quem vem, por estes dias, ao Parque da Cidade do Porto, pode esquecer as idas ao ginásio). No caso específico, a viagem era curta até ao Palco Super Bock, onde os Giant Sand liderados por Howe Gelb, colocavam em palco a sua identidade country oriunda do Arizona. Como o próprio disse, o palco era o “escritório” de Gelb, onde a papelada era substituída por uma imensidão de instrumentos e as quatro paredes eram as árvores, o sol e a multidão que se concentrava em frente ao palco. Multidão essa que parecia aumentar de forma exponencial sempre que a contemplávamos com mais atenção.

Houve quem ainda abandonasse mais cedo Giant Sand para poder espreitar Viet Cong antes do momento marcante que se seguia, mas a nossa atenção estava só e apenas na senhora que iria subir ao Palco NOS. Começou com um uníssono “Jesus died for somebody’s sins but not mine” para terminar numa tremenda ovação que fazia adivinhar um dia de enchente no recinto. Patti Smith é a senhora de quem falamos, que no dia anterior já tinha proporcionado um emocionado concerto em formato acústico (que não vimos, porque à mesmo hora havia Mac DeMarco), e que aqui fazia a homenagem ao seu álbum de estreia “Horses” que comemora 40 anos da sua edição.

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Concerto de Patti Smith © Hugo Lima

Pelos onze temas que compõem o álbum (aos quais se juntaram os clássicos “Because the Night” e “People Have the Power” no final), Patti Smith parecia sugar a inesgotável energia do público com um interpretação musical monstruosa, à qual ela juntava a teatralidade dos seus movimentos corporais e as suas inequívocas qualidades enquanto declamadora de poemas. Foi assim em “Land” (onde, por esta altura, já estávamos no lado B do álbum) e na ‘pequena canção‘ “Eligie”, escrita em memória de Jimi Hendrix, e que ali era dedicada a ‘todas as pessoas que amámos e perdemos’.

Patti foi a rainha da noite (e quiçá, grande figura desta edição do festival), mas a noite ainda estava perante nós. Após uma curta pausa, lá decidimos espreitar o sueco José González que já atuava no Palco Super Bock sob um magnífico pôr do sol. O concerto em modo folk e para ser visto especialmente quando se está sentado na relva, ainda que simpático, não foi tão memorável quanto o pôr do sol que se abateu sobre nós.

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José González © Hugo Lima

Enquanto jantávamos, ouvíamos as memórias dos The Raplacements e ficámos com pena de não conseguirmos acompanhar “Bastards of Young”, “I Will Dare” ou “Unsatisfied”, mas o Palco Pitchfork  e Mark Kozelek esperavam por nós.

Acompanhado na bateria por Steve Shelley dos Sonic Youth, Mark apresentou-se como Sun Kil Moon num concerto quase improvisado, despreocupado e pouco cuidado. Para quem estava à espera de um recital calmo e íntimo de “Benji” à luz do dia, levou com a intensidade da voz de Mark, com guitarras, baterias e novos arranjos para as canções que conhecemos. Não terá correspondido exatamente às nossas expectativas, mas o prémio de “faço o que me apetece” do NOS Primavera Sound vai para Sun Kil Moon. Isso inclui a piada sobre quem estava no outro palco a estragar o seu set (numa referência à recente polémica que envolve os The War on Drugs). De referir que This Is My First Day and I’m Indian and I Work at a Gas Station“, o último tema do novo álbumUniversal Themes“, é bem capaz de estar em algumas dessas listas de final de ano sobre os melhores temas editados em 2015.

No caminho de volta, fizemos um desvio pelo palco ATP onde os Spiritualized se apresentavam. Não ficámos por muito tempo, até porque a festa pop dos Belle & Sebastian começava quase à mesma hora. E se até agora a nossa viagem tinha sido marcada por um único sentido (a audição), com Belle & Sebastian descobrimos o primeiro espetáculo visual digno de registo (embora o ponto alto para os nossos olhos estivesse reservado para mais tarde). Interpretaram temas mais antigos, outros mais recentes do seu álbum “Girls in Peacetime Want to Dance”, mas combatiam com sucesso a inércia do pé estático.

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Belle & Sebastian © Hugo Lima

E depois tudo parou, literalmente. Antony, de manto branco, subia ao Palco NOS sem que outro concerto se desenrolasse ao mesmo tempo, por exigência do artista. Cru, emotivo e profundamente sensorial. Foi assim um dos grandes concertos da noite, acompanhado por uma orquestra, por uma voz lírica e singular e por temas desconcertantes onde “Ghost”, “You Are My Sister”, Cripple and the Starfish” e “Hope There’s Someone” se destacaram no silêncio da noite. Estamos apenas certos que o ambiente em redor não terá sido o ideal para aquela apresentação. Talvez Antony merecesse uma sala fechada, num espetáculo que requeria concentração, silêncio e introspecção.

O dia seguia-se com escolhas pouco óbvias entre Jungle, Ariel Pink e Run the Jewels. Mas o cansaço de alguém que já acordara de madrugada, falou mais alto. Fomos embora de coração cheio e com enorme vontade de regressar.

Fotos: © Hugo Lima

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