O Duplo, em análise

 

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  • Título Original: The Double
  • Realizador: Richard Ayoade
  • Elenco: Jesse Eisenberg, Mia Wasikowska, Wallace Shawn
  • Género: Drama, Thriller
  • ING | 2013 | 93 min

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Jesse Eisenberg veste a pele de um funcionário, Simon James, a exercer funções numa empresa coberta por um véu claustrofóbico, imbuída de excessivo controle e exigência, e particularidades kafkianas. No entanto, e em bom rigor, estas características adensam-se na presença de Simon. Os que o rodeiam mostram não o reconhecer – situação que se lhe afigura inexplicável, uma vez que ali trabalha há sete anos.

Simultaneamente, a intolerância e falta de aceitação perante a sua pessoa parece única, pois mais ninguém é, como ele, negligenciado. Quer a nível profissional, quer a nível pessoal – luta arduamente pela atenção de Hannah (Mia Wasikowska) -, os seus esforços estão, ao que parece, destinados ao fracasso. E como se nada mais pudesse piorar a dura (in)existência de Simon, eis que lhe surge James Simon, fisicamente idêntico, qual gémeo verdadeiro, mas senhor de comportamentos totalmente diferenciados. James é determinado, cativante e ardiloso. Pelo que as pretendidas – embora infrutíferas – conquistas de Simon são, para James, fáceis de empreender. Tal e qual um ladrão de almas e percursos de vida, James não dá tréguas ao seu duplo inseguro e melindrado. Imiscui-se. Apodera-se. Tenta anulá-lo.

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The Double” é baseado na obra de um enorme talento – o clássico “O Duplo”, de Fiódor Dostoievski – e traz-nos à dimensão, não só de um conceito, não só de uma reflexão, mas de um conjunto de abordagens que vão desde o desejo de mudança interior e coragem no frente-a-frente diário, até à gestão de relacionamentos (e noção de ‘comportamento gera comportamento’).

Inserido num ambiente depressivo e portador de um estado de espírito abalado e desconhecedor do conceito de auto-confiança, Simon é o protagonista de uma realização que R. Ayoade coloriu de amarelo mortificado. Com efeito, do princípio ao fim, é esta cor e suas derivadas que compõem a sua história, as suas batalhas, o seu desespero.

Contudo, esta composição é francamente mais condensada do que aparenta. Faz-nos reflectir. Não existem sujeitos, comportamentos ou posturas perfeitas, em contraposição com percursos frustrados, pessoas sem qualidades, seres humanos sem remédio no que respeita à vida em sociedade. Não existem pessoas bem-sucedidas na íntegra, tal como será árduo acreditar em nulidades absolutas, sem uma ponta de brilhantismo.

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A descoberta do enigma talvez resida na capacidade de gerir determinados vectores, como o conceito de opção de como nos queremos comportar em sociedade e na vida pessoal, e a distinção entre ‘o trigo e o joio’. Simon e James são idênticos fisicamente, embora o seu interior seja totalmente díspar. E possivelmente, James será nada mais do que uma projecção de Simon, uma imagem do que este pretende ser, mas também no que, sem travões, se poderá, fatalmente, tornar.

A aparição de James poderá – porque não? – ser interpretada como um grito de alerta de um rapaz aprisionado numa (in)existência sufocante. Essa apresentação surpreendente e inesperada de uma identidade semelhante em imagem, mas totalmente contrastante, no que se refere à personalidade, serve, afinal, um legítimo desejo de metamorfose. Sucede que essa busca de mudança interior e comportamental originará um frente-a-frente com o outro lado do espelho; lado esse que não é imaculado e cujos pontos negros serão, porventura, mais condenáveis do que o lado de cá, nos seus dias piores.

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Poderá até chegar o momento em que ambicionamos, mais do que tudo, amarrar o ‘eu’ que não interessa, pois só cria obstáculos à nossa evolução. Ou até aniquilá-lo, pois já cumpriu o seu papel, e, mais do que isso, torna-se inútil e letal.

“Entre muitas outras coisas, tu eras para mim uma janela através da qual podia ver as ruas. Sozinho não o podia fazer.” – Franz Kafka

Sofia Melo Esteves


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