O Grande Gatsby, em análise

O Grande Gatsby - Poster
  • Título Original: The Great Gatsby
  • Realizador: Baz Luhrmann
  • Elenco: Leonardo DiCaprio, Joel Edgerton, Tobey Maguire, Carey Mulligan
  • CTW | 2013 | Romance/Drama | 143 min

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Tudo começa com o Sonho Americano. Um ideal mítico que se define como a procura por uma vida melhor, pela descoberta de um mundo governado por leis justas, aberto a igualdade de oportunidades, um sonho sobre um mundo culturalmente rico e profícuo à criação de uma família em ambiente próximo do ideal de perfeição. Se o sonho americano se cingisse a esta definição, então Nick Carraway (Tobey Maguire) seria um sonhador nato.

Mais do que uma ideologia mítica, F. Scott Fitgerald aborda em “O Grande Gatsby” as múltiplas faces desse sonho, concentrando grande parte da sua atenção na amarga e utópica ilusão do vizinho de Nick, Jay Gatsby (Leonardo DiCaprio).

Um homem ingénuo e confiante de que o seu estatuto socioeconómico numa América próspera o irá restituir daquilo que perdeu no passado.

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Jay Gatsby é o típico novo-rico que surge numa Nova-Iorque administrada pela Wall Street proeminente que define cada vez mais a estruturação das classes sociais. Confiante no seu estatuto de empresário e herói da guerra, Gatsby apresenta um retrato falacioso da sua vida para todas as pessoas com quem convive, mas não consegue ocultar as suas facetas mais enigmáticas. Fugindo à Lei Seca que impedia a fabricação e comercialização de bebidas alcoólicas, Gatsby ganha dinheiro suficiente para ascender rapidamente às categorias mais altas da sociedade e conseguir fugir a um passado desafortunado que tenta a todo o custo repetir no âmbito amoroso.

Sonha ininterruptamente que poderá reconquistar Daisy Buchanan (Carey Mulligan), a sua amada que deixou para trás há cinco anos nos tempos de guerra. Mas Daisy é agora uma mulher ainda mais rica e vive casada com Tom Buchanan (Joel Edgerton) – um homem que segue um código social que lhe permite ter relações extra-matrimoniais. Gatsby acredita que pode conquistar Daisy pelos bens materiais que foi amealhando com atos obscuros. Esta é uma das muitas facetas do sonho americano que Fitzgerald evoca e que Baz Luhrmann se tenta manter fiel nesta nova adaptação: a tentativa de alcançar o impossível, a incessante vontade de agarrar a “luz verde” e a tenebrosa ideia de que o dinheiro poderá comprar tudo.

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Mas nota-se que Luhrmann se preocupa mais com a caracterização dos anos 20 nova-iorquinos e as suas exuberantes festas, deixando um pouco de lado as crises de valores e as discriminações étnica, social e económica de uma sociedade domada por excessos.

E pode-se amar ou odiar o realizador de “Moulin Rouge!”, mas há algo que nos parece irrefutável: não há ninguém capaz de conceber “O Grande Gatsby” da forma como Baz o fez.

Com um sentido estético aprimorado, a designer de produção Catherine Martin (esposa do realizador e vencedora de dois Óscares por “Moulin Rouge!”) capta todos os ínfimos pormenores dos anos 20. Os cenários e adereços são pintados de cores vibrantes que acentuam o ambiente opulento. O guarda-roupa desenhado em parceria com alguns dos maiores fabricantes de roupa (Prada, Brooks Brothers) conferem requinte às classes ricas e assimilam todas as minúcias implícitas da época. A fotografia que por vezes é granulada, confronta-nos com um aspeto old-fashioned  e evoca, em breves segmentos, o crescimento exponencial do cinema mudo.

A banda sonora, escutada livremente, traduz-se numa seleção de temas muito deliciosos ao ouvido. Contudo, há temas que não parecem soar tão bem quando inseridos em cena. Casos como “Over the Love” de Florence + The Machine e “Young & Beautiful” de Lana Del Rey, funcionam sempre melhor quando ouvidos na sua versão instrumental e parecem ter sido inseridos forçadamente. Por outro lado, “Together” dos The xx marca genialmente o ritmo da segunda metade do filme e “Love Is Blindness” de Jack White é vigoroso na fabulosa cena que marca o clímax da nova obra de Baz Lurhmann.

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Em suma, a nível técnico não há melhor forma de retratar uma época específica da História dos Estados Unidos, como são os espampanantes anos 20, do que colocar na cadeira de realização alguém cujo estilo prima pela sumptuosidade hiperbólica (quase cartoonesca) no seu cinema. A execução técnica roça a perfeição, mas não era neste âmbito que poderíamos ter dúvidas quanto ao real valor de “O Grande Gatsby”.

O desafio estava na capacidade de Baz Luhrmann em captar o esqueleto da narrativa de Fitzgerald e todos os seus múltiplos significados, algo que nenhuma adaptação o havia conseguido fazer com sucesso até aos dias de hoje. Baz consegue-o parcialmente.

No seu todo, poderemos considerar Baz como um fiel discípulo de Fitzgerald. O filme acompanha bem os arcos narrativos essenciais e consegue expor muitos diálogos que não são mais do que citações completas das palavras de Fitzgerald. Numa primeira fase, explode com as descrições das vigorosas festas que Gatsby dava todos os fins-de-semana na sua mansão, mas numa segunda etapa, por contraste, expõe-nos a espiral decadente do campo melodramático e interpessoal.

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No entanto, fica evidente alguma falta de intensidade nas entrelinhas. O cuidado de Baz Lurhmann em respeitar o legado de Fitzgerald não atingiu níveis psicológicos suficientemente complexos para podermos considerar este novo “O Grande Gatsby” como uma adaptação exemplar. Sente-se que por vezes há alguma falta de discernimento em elevar o texto do argumento a patamares mais sensíveis. Há cenas onde ouvimos determinada citação mas nunca sentimos que aquilo que está a ser proferido é realmente importante uma vez que as ações e o subtexto não nos permitem encarar as cenas como mais do que meros despejos de diálogo.

Essa falta de concretização dos diálogos em ações é particularmente gritante na personagem de Tobey Maguire que não está ao nível daquilo que era exigido, avaliando pelas suas expressões e tom de voz um pouco arrastado em demasia. Sente-se que estamos na presença de um mero fantoche que se limita a contar o que observa em seu redor.

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Por outro lado, temos Carey Mulligan que encarna aquilo de que melhor uma mulher poderá ser neste mundo: uma “bela pateta”. A sua beleza, especialmente a definição do rosto, e o seu tom de voz – sussurrante, exatamente como Fitzgerald o descrevia –  definem a fragilidade e doçura de Daisy. Fica também patente que Carey Mulligan não esteve tão bem ao não revelar com maior veemência o lado desprezível da sua personagem.

Quem sofreu mais com alguma subexploração da complexidade psíquica de Nick, foi Elizabeth Debicki, que até foi muito bem selecionada pela equipa de casting, mas que vê a sua Jordan perder alguma relevância, especialmente na relação amorosa que mantinha com Nick.

Também Myrtle Wilson (Isla Fisher) sofreu alguns cortes no tempo útil em cena, mas a sua relação com Tom Buchanan é fielmente retratada. Já Joel Edgerton tem uma das melhores prestações de todo o elenco, interpretando um Tom robusto física e psicologicamente, muito à semelhança do pobre, mas também robusto, George Wilson interpretado por Jason Clarke que se revela à altura do desafio no potente e fatídico desfecho.

O Grande Gatsby

 Leonardo DiCaprio, embora muito igual a ele mesmo, é o Gatsby que tanto desejávamos ver: um personagem com forte relevo mental, tal como Fitzgerald anunciava através das palavras.

E se DiCaprio é física e expressivamente uma réplica de Jay Gatsby, já Baz Luhrmann é um espelho da mente do nosso protagonista. Apesar dessa irónica semelhança entre o realizador e o grande Jay, há um fator determinante que os bipolariza: a fatalidade dos excessos. Se para Gatsby a superabundância o conduziu para um remate trágico, com Baz Lurhmann a sua visão megalómana do cinema está longe da tragédia.

Podemos também nos questionar se a opulência visual não funcionará como um mero escudo protetor que defende Baz das suas debilidades argumentativas. Nesse caso, estaríamos manifestamente a ser atraiçoados por falácias visuais. Nesse caso também a resposta teria de ser inequívoca: “talvez gostemos mesmo de ser enganados.”

DR



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