Paterson, em análise

Paterson, de Jim Jarmusch, é feito da compreensível poesia da vida – literal e figurativamente. Enquanto o nosso protagonista, também de nome Paterson e residente numa cidade homónima, passa os dias a refletir sobre os seus sentimentos numa dimensão poética, o próprio filme se desenrola em torno da simples e rotineira existência – e neste espaço, a película forma uma ode única e distinta.

Ao longo de quase duas horas acompanhamos Paterson (Adam Driver) durante uma semana. Acorda sem despertador, sem grandes rabugices, e caminha direto para o trabalho, que não é o seu sonho mas que o permite sonhar: conduz um autocarro local e examina aquilo que nele consegue captar. Ao lanche e em casa, coloca as palavras no papel. Convive com a sua namorada Laura (Golshifteh Farahani) que tem sempre algo de novo para dizer ou fazer. Bebe uma cerveja no bar da esquina e volta a observar o seu mundo.

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Laura não tem nenhum trabalho e pouco percebemos o que faz sozinha em casa – além de mudar os cortinados e se divertir com pequenas coisas. É fascinante assistir à interação do casal – são quase extremos, de um lado temos um polo introvertido e do outro um polo extrovertido. Curiosamente, Laura, que passa o seu dia em casa, não se aborrece nem carece de entusiasmo. Por outro lado, Paterson tem uma aura mais calma, fechada e observadora. Ele lê a vida como nós os lemos a eles através de um ecrã.

Lighting, perhaps the cigarette of the woman you love
For the first time
And it was never really the same after that

 

Há poucas coisas encantadoras no mundo – ou pelo menos é o que pensamos. Por que razão não existem mais filmes que simplesmente reflitam sobre o nosso dia-a-dia? Sobre os nossos problemas reais, as nossas angústias mais profundas e as mais esporádicas, a nossa ligação com as pessoas, a visão do que realmente significa estar vivo. O problema de Paterson é não haver problema. É sentirmos que estamos a ver uma ficção que nos sabe tanto a real – apesar de ser completamente estilizada e de nos fornecer pistas que nos guiam para temas específicos.

Everett, o rapaz de coração partido, a certa altura da sua tristeza, lamenta-se perguntando: “sem amor, há razão para alguma coisa?”. A resposta pode ser traiçoeira se não considerarmos todos os tipos de amor. Sem amor, no geral, não há grande propósito. No entanto, há algo de realmente fatídico nas palavras de Everett. Não será mais feliz aquele que partilha a vida com alguém? Ou, reformulamos, não será menos miserável aquele que tem alguém com quem ser miserável?

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Paterson não se escapa a um tom melancólico. A vida em si é melancólica, quando retratada mundanamente. O nosso quotidiano é somente isso: a repetição de vários dias idênticos. Se existe melancolia no conceito? Existe. Se a melancolia tem de ser levada negativamente? Não, claro que não. Não há problema em ser-se sensível e em, de vez em quando, ou sempre, como Paterson, desabafar os sentimentos de uma forma mais poética. Pegar na normalidade e torná-la em arte. Em algo abstracto mas tão concreto como um poema de amor.

A vida é a vida, é Paterson que escreve no seu caderno e na sua mente, que nos parece triste mas se revela apenas atento, é Laura que vive três paixões ao mesmo tempo e nunca está satisfeita, ansiando constantemente por mudanças. É Everett que tem o coração partido e julga nunca mais conseguir viver depois do desgosto. É um cão que rasga folhas. É um desconhecido que nos anima o espírito quando tudo parece negro. É uma cidade que se move. Jovens interventivos, adultos perdidos.

Paterson, em análise
paterson

Movie title: Paterson

Date published: 6 de July de 2017

Director(s): Jim Jarmusch

Actor(s): Adam Driver, Golshifteh Farahani

Genre: Drama, 2016

  • Maria João Bilro - 85
  • Catarina d'Oliveira - 80
  • Cláudio Alves - 83
  • José Vieira Mendes - 80
  • Maggie Silva - 95
85

Conclusão

No fim, o que nos resta é agradecer a Jarmusch por continuar a fazer Cinema. Este é o cinema que queremos ver. É o cinema que importa. É abrir a janela e observar uma realidade que não é a nossa, mas que tão facilmente poderia ser. É estar perto, sentir perto, permanecermos conectados com o mundo, com as pessoas, com os sentimentos. É quebrar com a ideia de que o artista não vive no nosso mundo. Ele vive, e vive feliz, à sua maneira.

I knock off work
Have a beer at the bar
I look down at the glass and feel glad

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