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Quiz, revisitado

“Quiz” é a nova peça desafiante que coloca o espectador na pele de um juiz a quem cabe a decisão de condenar um homem ou libertá-lo de todas as acusações.

Em 2001, o Major Charles Ingram foi acusado de cometer o golpe do ano ao ter, supostamente, manipulado os resultados do famoso concurso de talentos “Quem Quer Ser Milionário?“, acabando por vencer o prémio máximo de um milhão de libras. Após a produção do programa televisivo ter apresentado queixa contra o concorrente, bem como contra todos aqueles que o teriam ajudado no plano, em tribunal tentou-se averiguar de que lado estaria a verdade, resultando na condenação do Major a uma pena suspensa de 18 meses. Quase duas décadas após o mediático acontecimento, ainda muito se especula sobre o que realmente terá acontecido. Para ajudar a esclarecer os factos, James Graham publicou, em 2017, uma peça de teatro centrada no famoso caso de Ingram contra a Coroa Britânica. Pegando no argumento do dramaturgo inglês, a Força de Produção trouxe a cena “Quiz”, uma peça encenada por António Pires e que pode ser vista no Teatro Maria Matos até ao final do mês de dezembro.

Quiz
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Entrar no Teatro Maria Matos para assistir à peça “Quiz” é como entrar nos estúdios da RTP para fazer parte do público de “Quem Quer Ser Milionário?”. Ao entrar na sala, o espectador depara-se com um cenário semelhante ao do concurso de talentos, tornando-se ainda mais realista pelo facto de parte do público se sentar em bancadas colocadas em cima do palco. Ainda antes do espetáculo se iniciar, Rui Melo vem à boca de cena preparar o público para as representações que se seguem. Este divertido momento nada mais é que um verdadeiro aquecimento do espectador para que este esteja à altura de responder entusiasticamente aos momentos vividos no decorrer do teatro, à semelhança do que acontece nos momentos que antecedem a gravação dos programas televisivos. De um modo bastante cativante, o ator que dá vida a Chris Tarrant, o original apresentador de “Quem Quer Ser Milionário?”, ensina à plateia como reagir aos momentos tensos da peça, bem como a aplaudir os momentos mais eufóricos. A partir deste pequeno aquecimento direcionado ao público, o espectador apercebe-se que se trata de um teatro imersivo e que a partir desse momento passa a ser um elemento chave do espetáculo, sentindo-se assim uma parte fundamental do mesmo.

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Iniciado o espetáculo, o público é bombardeado com uma sucessiva rajada de informações que mostra uma contextualização do aparecimento de conhecidos programas televisivos, como o “Big Brother”, e é apresentada ao espectador a história do surgimento de “Quem Quer Ser Milionário?”, desde o desenvolvimento da ideia à compra da mesma por um canal de televisão. Finda a vertiginosa parte introdutória, são-nos apresentadas as personagens principais desta peça que decorre em três cenários distintos. Por um lado, assistimos ao preparar da ida do Major Charles Ingram (interpretado por Dinarte Branco) ao reality show, acompanhando as suas rotinas, bem como o ambiente familiar e social em que se insere. Paralelamente, assistimos efetivamente à participação de Ingram no programa de talentos, acompanhado a forma como o participante foi vacilando nas respostas dadas, avançando e recuando vezes sem conta até que fornecia a solução correta. Entretanto, os dois cenários são intercalados com o julgamento ocorrido em 2003, conhecido como o caso ‘Ingram contra a Coroa Britânica’. Assim, na primeira parte do espetáculo assistimos à acusação do Major por parte da produção do programa, sendo possível ouvir o testemunho da personagem interpretada por Diogo Valsassina que apresentou todos os indícios da fraude cometida por Ingram. À medida de a acusação apresentava os seus argumentos, era possível ao público presente assistir ao sucedido em estúdio, como se estivesse a ser projetada uma cassete que permitia à plateia testemunhar as ocorrências. Finda a primeira parte do espetáculo, a audiência tem como garantido que o Major não teria uma grande cultura geral, tendo as suas respostas sido influenciadas por uma tosse proveniente da plateia que lhe conduzia o pensamento. Com estes factos em mente, o público presente no Teatro Maria Matos é convidado a considerar se Charles seria ou não culpado, dando ao espectador a oportunidade de encarar o papel de júri, parecendo óbvia a condenação do Major.

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Terminado o intervalo o público regressa à sala de teatro para dar continuidade ao espetáculo que se centra agora na defesa de Charles Ingram e de todos aqueles apontados como cúmplice do concorrente. Por esta altura, o espectador encara já as personagens como culpadas e sente-se mais do que nunca no papel de júri, como se de um julgamento real se tratasse. Nesta segunda parte, a outra versão dos acontecimentos é-nos contada, através de Custódia Gallego que interpreta a advogada dos acusados. Ouvindo o testemunho dos Ingram, o público toma conhecimento de que as indecisões do Major ao responder advinham de um plano para suscitar o interesse dos espectadores que assistiam ao programa em casa, aumentando assim as audiências do reality show. Do mesmo modo, é confidenciado que a tosse que se ouvia em estúdio era provocada por uma doença e, acima de tudo, que a gravação apresentada em tribunal para condenar a prestação de Charles, teria sido editada e manipulada pela produção, evitando assim o pagamento do milhão de libras ganho pelo Major. Numa apresentação constante dos factos, o público volta a ser convidado a escolher o veredicto final e o maior espanto recai pelo facto de quase sempre a audiência alterar a sua escolha inicial.

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Em suma, “Quiz” é a mais bela metáfora para o julgamento que o ser humano tende a fazer com base em tudo o que ouve sem ter presenciado os verdadeiros acontecimentos. De uma forma divertida e inovadora, António Pires encenou um espetáculo que convida o espectador a sentir-se poderoso pelo poder de decisão que lhe é conferido, desarmando-o no final com o toque na consciência de que muitas vezes condenamos pessoas inocentes pelo simples julgamento de atitudes mencionadas por pessoas externas. Num ambiente altamente imersivo, ao mesmo tempo que divertido, “Quiz” assume o papel de entretenimento, ao mesmo tempo que dá à audiência uma enorme lição de moral. Um enormíssimo ‘Bravo’ a todos os atores e membros da equipa técnica que deram forma a uma maneira inovadora de se fazer teatro, combinando a tecnologia à cenografia e à arte do espetáculo!

TEASER| QUIZ ESTARÁ EM CENA NO TEATRO MARIA MATOS ATÉ DEZEMBRO

Já tiveste a oportunidade de assistir à peça “Quiz”? Tinhas conhecimento deste escandaloso caso televisivo? Ficaste curioso(a) com a nova peça da Força de Produção?

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