"Riff Raff: Um Crime em Família" | © NOS Audiovisuais

Riff Raff: Um Crime em Família – análise

Com “Riff Raff,” Dito Montiel assina uma comédia negra cheia de violência, vingança e ressentimentos antigos. Bill Murray, Ed Harris, Pete Davidson e Jennifer Coolidge, Gabrielle Union e Lewis Pullman integram um elenco de luxo.

Por muito que tentemos escapar ao nosso passado, ele acaba sempre por nos apanhar. Essa é a ideia central de muitas narrativas, desde a antiguidade até aos dias de hoje, desde clássicos literários até a comédias que vêm e vão dos cinemas sem grande aparato. Assim é o caso de “Riff Raff: Um Crime em Família,” novo filme do realizador Dito Montiel, feito a partir de um argumento original de John Pollono, sobre uma semana inesquecível entre o Natal e o Ano Novo no seio de uma família que parece muito normal a uma primeira análise. Olhem com mais atenção e verão que não há nada de corriqueiro neste clã cujas mãos há muito se encontram manchadas de sangue.

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O filme começa in media res, com o jovem DJ a apontar uma arma ao padrasto, Vincent. Este tableau surge-nos sem explicação ou contexto, nem mesmo da parte de uma narração em voz-off que depressa nos transporta para o dia anterior à cena. A técnica parece saída de um film noir, aqui temperado com um tragicómico algures entre Tarantino e os irmãos Coen. Enfim, rebobinada a história, a ação principal passa-se em casarão isolado, no meio das montanhas de Maine, onde os caminhos se confundem e é preciso um mapa para se fazer sentido da paisagem. Parece quase uma fortaleza ao invés de um sítio acolhedor para Vincent, DJ e a mãe passarem a quadra.

Uma tragicomédia festiva com mortes à mistura.

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Qualquer idílio que podia haver depressa desaba quando Rocco, filho do primeiro casamento de Vincent aparece sem convite e traz consigo a mãe e a esposa grávida, Ruth e Marina respetivamente. Se a mulher mais jovem é uma presença serena, o mesmo não se pode dizer da matriarca que chega ao chalé inconsciente, aparentemente drogada à força. Eles estão a fugir de algo ou alguém e mesmo antes de “Riff Raff” explicar todos os detalhes, já a fita nos deleita com as desventuras paralelas de um par improvável. São eles Leftie e Lonnie, dois assassinos sem piedade ou misericórdia, prontos a matar todos aqueles que lhes dificultem a vida.

Ou seja, estamos perante um jogo de gato e rato, contando os minutos até que os predadores alcancem suas presas. E no meio disto tudo, nem DJ nem a mãe percebem o que se está a passar, iludidos por Vincent que sempre lhes escondem a verdade sobre o seu passado. Acontece que, muitos anos atrás, ele era um assassino, colega de Leftie, e arrastou toda a família para o submundo do crime. Quando decidiu reinventar-se, cortou laços com aqueles que ele mesmo havia condenado à marginalidade. Mas os crimes do pai seguem o filho, qual herança infeliz, e há contas a ser prestadas nesta época festiva.


Além das duas linhas narrativas em contagem decrescente, “Riff Raff” apoia-se noutras reflexões. Vincent e Leftie são, essencialmente, o espelho um do outro, miasmas de masculinidade tóxica que destruíram seus filhos. As expetativas paternas de ambos são como veneno e há uma qualidade quase patológica no modo como ambos negam a culpabilidade, sempre se imaginado a si mesmos como figuras trágicas ou anjos vingadores. A presença deles na vida dos que putativamente amam é um veneno que a todos afeta, quer se manifeste instantaneamente ou seja de ação retardada, mais lentamente corrosivo. Ruth, por exemplo, há muito colapsou sob a influência dos dois.

Tão negras são as conclusões tiradas sobre laços familiares, entorpecidos pelo egoísmo dos patriarcas, que a comédia nunca se consegue impor sobre o drama. O argumento não é inteligente o suficiente para fazer piadas vingar neste millieu e os atores saem-se sempre melhor quando puxam pela vertente mais séria do texto. Também são eles que dão ilusão de complexidade às figuras menos desenvolvidas. Pensemos no caso de Jennifer Coolidge, sempre pronta a desvendar as possibilidades humorísticas de um projeto. Aqui, ela confere cor e imprevisibilidade à figura de Ruth, assim como um tom melancólico capaz de tornar até a maior gargalhada em algo doloroso.

Que atores estrondosos! Que elenco!!!

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É sempre um grande espetáculo quando o palhaço chora. Ou, no caso de Bill Murray e Pete Davidson como Leftie e Lonnie, quando o bobo mata. Se Coolidge ajuda a fita ao contrastar expetativas levianas com realidades mais vulneráveis, esta parelha traz consigo a presunção de brincadeira. Quando as suas ações são tudo menos brincalhonas, quando toda a piada é rematada por crueldade intolerável, sentimos o choque e a aflição do espectador desamparado. A frieza com que Leftie domina o ato final, ameaçando aniquilar tudo aquilo que Vincent ama, é tão mais impactante porque Murray o interpreta em jeito desafetado, sem grandes ênfases dramáticas. A sociopatia é palpável e arrepia.

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A excelência do elenco não se fica por esses nomes. Ed Harris recicla o que já fez em muitos filmes com Vincent, mas não será por isso que cansa ou desaponta. Lewis Pullman e Emanuela Postacchini são a alma da narrativa, seu suplício tão sentido que a conclusão risonha nos sabe a falsidade. Miles J. Harvey é uma verdadeira estrela no papel de DJ, tão carismática que até nos pomos a imaginar um filme mais adaptado aos seus talentos, pronto a privilegiar a personagem do enteado azarado ao invés das gerações mais velhas. Por fim, Gabrielle Union faz o que pode como a segunda esposa de Vincent, limitada pelas insuficiências do argumento e a desinspiração formal e tonal com que Montiel aborda a história desta família disfuncional.

No final, “Riff Raff: Um Crime em Família” vale pelos atores, mas pouco mais que isso.

Riff Raff: Um Crime em Família

Conclusão:

  • “Riff Raff: Um Crime em Família” tenta reproduzir os mesmos trejeitos de tragicomédia negra que têm feito tanto sucesso quando nos chegam com a assinatura de Tarantino ou dos irmãos Coen. Só que esses autores são mestres do cinema. Não podemos dizer o mesmo de Dito Montiel que aborda o projeto sem grande visão, dependendo completamente do seu elenco para resolver os problemas de tom e texto. Felizmente, para ele e para os espectadores, o elenco aqui reunido é daquelas seleções brilhantes, capazes de elevar qualquer filme.
  • Sem fugirem às suas personas habituais, Ed Harris, Jennifer Coolidge, Lewis Pullman e Gabrielle Union aprofundam papéis bastante limitados, enquanto Bill Murray e Pete Davidson mostram seus talentos para transfigurar a farsa em thriller cruel. Por seu lado, o jovem Miles J. Harvey prova ser uma estrela em ascensão.
  • Tudo conclui com um final que deixa muito a desejar, assemelhando-se à traição à narrativa desenvolvida até então. Na tentativa de deixar toda a gente satisfeita, “Riff Raff” termina da forma mais frustrante imaginável.
Overall
5.5/10
5.5/10
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