A Lista de Schindler | Edição Especial em Análise
[tab name=”DVD/Blu-Ray | Análise”]
Por ocasião do 20º aniversário do filme, é lançada hoje em território luso uma edição de celebração restaurada e imperdível que contém, além da versão DVD e Blu-Ray do filme, ofertas exclusivas de um poster original, três postais das personagens principais e um livro de 16 páginas sobre a produção, tudo bem acomodado numa embalagem de colecionador com folha em prata.
E que o setting esmagador nos tons de preto e branco vos faça desconfiar que esta é uma transferência Blu-Ray menor – antes pelo contrário. Na verdade, pode considerar-se como um dos filmes cuja conversão se processou com mais grandiosidade e beleza, e a restauração foi coordenada e revista pelo próprio Spielberg. O detalhe da imagem é melhor do que nunca, um grão leve e característico é mantido continuamente, e os pequenos apontamentos de cor – a chama e a menina do casaco vermelho – são ainda mais vívidos e significantes.
Quanto ao áudio, a faixa DTS-HD Master Audio 5.1 coloca-nos no epicentro da ação em todos os momentos, desde o silêncio de um esconderijo ao caos dos campos de concentração.
Por fim, os extras acabam por constituir a parte menos nobre de uma edição memorável, não pela qualidade ou interesse dos mesmos, mas porque nos deixam sedentos de mais – algo que uma edição comemorativa de 20 anos devia suprir com mais efeito.
De todo o modo, contamos com um documentário de 70 minutos com entrevistas a sobreviventes e a exploração da história de Schindler, e um outro featurette que explica a criação da fundação USC Shoah Foundation a partir do lançamento do filme.
Apesar do ligeiro desapontamento na secção dos extras, a edição de 20 anos d’ “A Lista de Schindler” é uma remasterização fabulosa cuja presença em qualquer coleção de vídeo é imperial.
EXTRAS
Materiais de Bónus – Edição Especial 20º Aniversário (DVD + Blu-Ray)
- Vozes na Lista
- Um documentário poderoso apresentando experiências pessoais de testemunhas.
- A história da Fundação SHOAH através de Steven Spielberg
- Um olhar por detrás das cenas na organização onde estão gravados e arquivados testemunhos de sobreviventes e testemunhas do Holocausto
OFERTAS ESPECIAIS
- Livro de 16 Páginas
- 3 Postais com as personagens principais
- Poster Original de Cinema
- Embalagem de colecionador com folha em prata
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[tab name=”Filme | Análise”]
Quem diria que seria o quintessencial mestre da fantasia norte-americana seria capaz de realizar uma das transposições para o grande ecrã mais dramáticas de um dos capítulos cruciais e mais negros história do mundo? Apesar da sua confessa notoriedade crescente já no início dos anos 90, talvez não muita gente, ou certamente menos ainda depois do desastre que certamente lhe terá provido um poderoso complexo de Peter Pan que foi “Hook” (1991).
Com 12 nomeações a Óscar e sete estatuetas arrecadadas (onde se incluíram as de Melhor Filme, Realizador e Argumento Adaptado) e integrando o 8º lugar na lista do American Film Institute que distinguiu em 2007 os 100 filmes americanos mais importantes de todos os tempos, “A Lista de Schindler” trouxe finalmente a consagração há muito ansiada por Steven Spielberg, mas acima de tudo, um pedaço de sétima arte capaz de resistir ao teste do tempo, e que se mantém até hoje como um brilhante estudo histórico e da natureza humana.
Baseado no romance de Thomas Keneally – “Shindler’s Ark” -, o filme de Spielberg representa a indelével história do enigmático Oskar Schindler, um membro do partido nazi, mulherengo e especulador de guerra, que acabou no entanto por salvar a vida a mais de 1100 judeus durante o Holocausto.
Este é o filme mais pessoal da carreira de Spielberg, que se demonstra infinitamente mais capaz quando dirige um projeto que lhe diz alguma coisa. Curiosamente, é também o seu filme menos “Spielberguiano”, abstendo-se de utilizar muitas das suas técnicas de assinatura, e preferindo um realismo cru que ressoa a verdade desde o início ao fim.
É um profundo estudo de contrastes e ironias, bem patentes, inclusive, no estado de espírito do espectador depois de assistir: é simultaneamente um filme visceralmente devastador mas profundamente esperançoso.
Apesar das liberdades dramáticas que Spielberg toma – como é aliás natural e comum no género – “A Lista de Schindler” não deixa de ser uma imensa lição sobre um dos capítulos mais negros da história dos homens, mas também um estudo profundo sobre as pulsões e emoções humanas, manifestadas no bem e no mal.
Sem tornar o filme num festival de terror, Spielberg não se coíbe de encarar os horrores do Holocausto de frente, fazendo recurso muitas vezes da mera sugestão, que acaba por ser incrivelmente mais eficiente do que um retrato gráfico.
Tecnicamente, o percurso de mestria continua, desde a deslumbrante fotografia a preto-e-branco àquela que será, por ventura, uma das bandas sonoras mais comoventes e dilacerantes de John Williams.
Enquanto Liam Neeson é fantástico no retrato da ambivalência de Oskar Schindler e Ben Kingsley é por vezes esquecido face ao brilho da história do protagonista, é Ralph Fiennes a verdadeira estrela da companhia no que a interpretações diz respeito, no retrato do mal corporizado em Amon Goeth, um comandante de um campo de concentração que passa as manhãs a escolher judeus da sua varanda para serem abatidos.
Apesar do tema manifestamente negro e vergonhoso para uma raça que se diz racional, o filme de Spielberg é movido por uma pequena chama num antro de horror negro: uma chama de esperança e dignidade.
“A Lista de Schindler” é intransigente no retrato das várias camadas da natureza humana: quer no retrato do bem, do mal e da área cinzenta, quer na representação da ganância, ódio, luxúria, poder, e, acima de tudo, empatia e amor. O seu toque é do mais profundo na alma humana, e a catarse decorrente é tão poderosa como apenas outros momentos cinematográficos que podem ser contados pelos dedos.
É esta dimensão profundamente humana, que se destaca como a chama laranja ou a menina do casaco vermelho na imensidão preta-e-branca, que o distingue, não só como um dos filmes mais importantes da história, mas também como uma experiência cinematográfica e humana transcendente.
Porque “quem salva uma vida, salva o mundo inteiro”.
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[tab name=”A Menina do Casaco Vermelho”]
Uma das cenas mais icónicas deste tesouro cinematográfico é, sem dúvida, a cena que representa o ponto de viragem da personagem de Oskar Schindler, um homem que até ao momento se importava apenas com o dinheiro que fazia e ainda mais com o que podia vir a fazer. É a queda na dura realidade ao observar de longe um dos vários extermínios de Judeus.
Neste momento, Oskar observa uma menina com um casaco vermelho, que, intencionalmente, sobressai do restante cenário preto e branco.
Schindler sente-se tocado na parte mais funda da sua alma; finalmente, sente a dor, o desespero e o medo constante do povo Judeu. Os seis milhões assassinados passam a existir corporizados numa única pessoa: a menina do casaco vermelho.
Entre todo o desespero e desgraça do filme de Spielberg, esta será uma das mais inspiradoras cenas, sendo a maior aproximação possível de um sentimento de esperança, de possibilidade de escapatória. Schindler compreende neste momento a sua missão.
Numa cena subsequente, a devastação toma lugar dianteiro. Numa pilha de mortos, transportada como se de lixo se tratasse, vemos um pequeno corpo inanimado. Colorido.
O que poucos sabem é que, de facto, esta particularidade da menina de casaco vermelho também se baseia num caso real contado no julgamento de Adolf Eichmann, um dos nazis mais odiados da Segunda Guerra.
Numa entrevista, foi perguntado a Gavriel Bach (promotor de justiça do caso) se tinha havido algum momento no julgamento que o tenha tocado especialmente… a sua resposta foi clara.
Bach estava a interrogar Martin Földi, um sobrevivente de Auschwitz, sobre os processos de selecção na estação de comboio antes de partir para o campo de concentração. Földi contou como ele e o filho foram mandados para a direita e a sua mulher e a filha foram para a esquerda; a menina vestia um casaco vermelho. Na altura, este facto era desconhecido, mas aqueles que eram mandados para a esquerda morriam, e os da direita sobreviviam como força de trabalho.
Quando um oficial do SS mandou o filho para o lado da mãe e da irmã, Földi entrou em pânico. Como é que o rapazinho as encontraria no meio de milhares de pessoas? Foi nessa altura que compreendeu que o casaco vermelho seria como um farol para o rapaz.
Földi terminou o depoimento de forma cortante e devastadora: “Nunca mais voltei a vê-los.”
Durante o interrogatório, Bach gelou e ficou incapacitado de continuar; só conseguia pensar na filha que, por coincidência do destino, tinha acabado de comprar um casaco vermelho.
A cena da menina do casaco vermelho é o símbolo de “A Lista de Schindler” e, inequivocamente, uma das suas passagens mais poderosas.
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