Veneza 73 (Dia 3) | The Bleeder: O Verdadeiro Rocky
The Bleeder, do canadiano Philippe Falardeau, a história do pugilista Chuck Wepner, que inspirou Stallone e a saga de Rocky Balboa, é uma das grandes obras desta Veneza 73, mas está fora da competição. No elenco de The Bleeder, está um dos pares mais felizes e talentoso do cinema norte-americano: Liev Schreiber e Naomi Watts.
The Bleeder (na tradução aproximada à letra ‘o sangrador’), a épica e verdadeira história do boxeur Chuck Wepner, veio dar algum ânimo aos festivaleiros, que têm assistido a uma competição algo morna e muito parca em novidades. Felizmente The Bleeder veio dar-nos a conhecer e a revelar-nos a vida e a alma de um homem que começou por ser um vendedor de licores de New Jersey (Nova Iorque) e que como lutador de boxe, resistiu 15 rounds num combate contra Muhammad Ali, aquele que foi considerado o maior pugilista de todos os tempos.
Na verdade, foi a história de Chuck Wepner que inspirou a série de filmes Rocky, uma saga que rendeu bilhões de dólares, sem que Wepner tenha ganho um tostão, apesar da admiração que Silvester Stallone tinha por ele e até o tentar integrar, sem êxito, num dos filmes da saga. É curioso como nos seus dez anos no ringue Wepner ficou conhecido pela sua tenacidade e capacidade de sofrimento, como Rocky: perdeu vários combates, mas apenas dois por K.O., apesar de terminar oito vezes com nariz partido e com cerca de 313 pontos na cara, no total. Contudo as lutas mais duras, mais interessantes e complexas de Wepner, foram fora do ringue, pois levou uma vida de drogas, álcool, mulheres, sucessos surpreendentes, altos e baixos dramáticos, e a prisão por posse de droga, até a uma completa regeneração, que vive ainda agora com a sua segunda mulher Linda.
Mas as virtudes de The Bleeder são em primeiro lugar porque não é mais um filme sobre boxe em si, como eram os da saga Rocky. Tem até poucas cenas no ringue, com referências apenas ao famoso combate com Ali. É antes um biopic muito bem construído sobre ‘Um Homem e o Seu Destino’ — como no filme de Ralph Nelson, com Anthony Quinn, cujos os monólogos aparecem várias vezes, que Wepner sabe de cor e repete incessantemente. É um filme sobre os altos e baixos de um tipo vulgar, que se sentiu importante porque teve uns momentos de fama. The Bleeder não precisa efectivamente do clímax dos combates no ringue, pois por si só é um filme emocionante, divertido, por vezes até meio-louco como o Wepner, mas que espelha bem a vida real, sobre a ascensão, queda e depois a redenção de um homem. É ainda uma deliciosa viagem aos loucos anos 70, na linha estética e desembaraço narrativo de Golpada Americana (2013), de David O. Russell ou Boogie Nights (1997), de Paul Thomas Anderson.
Para além das notáveis interpretações (e transfiguração), sobretudo de Liev Schreiber, e da natural química com a mulher Naomi Watts (interpreta a segunda companheira e a mulher que salvou Wepner), os grandes protagonistas são sem dúvida esse maravilhosos anos 70: na música (disco-sound), design, roupas, e a moda em geral. Tudo isto torna The Bleeder um filme notável — que merecia estar em competição —, muito sexy e ao mesmo tempo muito convencional, pois é uma narrativa clássica da ascensão e queda de um herói, que curiosamente termina não em tragédia, mas antes com um final feliz. E a vida de Werner continua….felizmente!
JVM (em Veneza)