70º Festival de Cannes (Dia 4) | A Quadratura do Círculo

 

O francês Robin Campillo apresentou ‘120 Battements par Minute’, um filme impressionante sobre a acção-directa dos activistas do Act Up, contra SIDA, em Paris nos anos 90. O sueco Ruben Ostlund (‘Força Maior’) regressou com ‘The Square’, um filme sobre a verdade e a responsabilidade social na sociedade actual.

A década de 90 foi marcada pela grande mediatização e disseminação da epidemia da SIDA, à qual estiveram associados filmes tão conhecidos como Philadelphia, (1993), de Jonatham Demme — falecido há poucas semanas — e a premiada série Anjos na América, realizada por Mike Nichols e escrita por Tony Kushner. Se nestes filmes a acção era individual, em 120 Battements par Minute, do francês Robin Campillo vemos e de uma forma inédita como se organizou na Europa — e nomeadamente em França — esta luta colectiva contra a SIDA e contra a descriminação sexual.

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Adèle Haenel é o rosto principal de um elenco coral.

Este grupo militante nascido no seio da comunidade homossexual multiplicou-se em acções de choque e de quase guerrilha, para sensibilizar a opinião pública da transmissão da doença. Através da luta organizada o movimento Act Up, nascido em França em 1989, e decalcado da seu congénere americano, o realizador Robin Campillo evocou em 120 Battements par Minute, e numa corajosa crónica os anos da SIDA e a mortalidade provocada por esta epidemia no seio da comunidade homossexual já de si descriminada e estigmatizada, pela sociedade, pelas instituições de saúde públicas e pelas empresas farmacêuticas, que tardaram a encontrar uma solução de tratamento.

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Um plenário da Act Up.

Habituado a trabalhar com Laurent Cantet — foi um dos argumentistas de A Turma, Palma de Ouro 2008 — e depois de Les Revenants — filme que inspirou a série de televisão como o mesmo título que passou na RTP 2 — esta é a terceira longa-metragem de Robin Campillo, um cineasta que tem mais experiência em festivais, na Mostra de Veneza. Chegou agora à competição cannoise, com este filme geracional que revive as feridas de uma época — antes do aparecimento dos tratamentos — quando a SIDA era vista por uma grande parte da opinião pública, como uma doença exclusivamente dos homossexuais. O filme vem demonstrar o contrário de uma forma directa e quase documental, quase sempre entre paredes e com absolutamente diálogos notáveis. Uma crítica apenas par um final um tanto piegas, que se contrapõe com a lucidez e inteligência de um filme militante de uma causa histórica. Para escrever o argumento Campillo serviu-se precisamente dos conselhos de Philippe Mangeot, antigo membro e presidente da Act Up. O elenco é coral obviamente porque se trata de um filme de grupo, mas destacam-se as interpretações de Adèle Haenel (L’Apollonide, de Bertrand Bonnelo, 2011) e do actor argentino Nahuel Perez Biscayart (Au Fond du Bois, de Benoît Jacquot, 2010).

Vê trailer de 120 Battements par Minute

O sueco Ruben Ostlund, (Força Maior), é um dos cineastas mais entusiasmastes da actualidade e deu aqui o seu primeiro passo aqui na Competição principal, com The Square, um filme inspirado numa instalação artística. De facto a instalação The Square é pretexto para Ostlund mais uma vez nos mostrar com a sua frieza as monstruosidades mais elementares dos seres humanos, em situações de risco.

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Uma ‘performance art’, muito particular.

The Square conta a história de Christian (Claus Bang), um respeitado conservador de museu de arte contemporânea, com um estilo muito ‘cool’: além de apoiar causas humanitárias, desloca-se de transportes públicos ou num carro eléctrico. Nesta linha, prepara uma instalação pouco comum de um artista americano (Dominic West), que incita os visitantes ao altruísmo e a terem um novo olhar sobre o próximo. No entanto, não é fácil viver com os seus valores, pois na rua roubam-lhe a carteira e o telemóvel e a sua reacção vai provocar-lhe uma guerra. Ao mesmo tempo a agência de comunicação do museu, lança sem a sua autorização, uma surpreendente campanha para promover The Square, que logo tem uma uma reacção muito negativa do público. Todos estes incidentes colocam

Ve trailer de The Square 

Christian numa profunda crise existencial. The Square segue efectivamente a linha dos filmes anteriores de Ostlund, entre um registo dramático e satírico. É um filme elegante passado no meio da alta cultura e que se serve de dispositivos visuais e retóricos para mexer e divertir o espectador: por exemplo mostrar o olhar de um cidadão comum para muitas da peças artísticas e de arte contemporânea que são expostas nos museus. Por outro lado The Square aborda diversos temas actuais, relacionados com a crise de valores: responsabilidade, confiança, riqueza, pobreza, poder e impotência; e como esta crise vai afectando os indivíduos em geral na sociedade contemporânea. É curiosa também a perspectiva que demonstra em relação à posição do Estado — assente ou a alternativa nos financiamentos privados às artes em detrimento dos públicos — e dos media, — a irresponsabilidade e a total ignorância quer dos novos produtores de conteúdos, quer dos seus editores — em relação à criação artística em geral. Destaque para além da interpretação do dinamarquês Claes Bang, igualmente para Elisabeth Moss a loira das séries Mad Man e da 1ª Temporada de Top of the Lake, de Jane Campion.

JVM


 

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