The Bling Ring: O Gangue de Hollywood, em análise

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  • Título Original: The Bling Ring
  • Realizador: Sofia Coppola
  • Elenco: Katie Chang, Israel Broussard, Emma Watson
  • ZON Lusomundo | 2013 | Crime/Drama| 90 min

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In a country that doesn’t discriminate between fame and infamy, the latter presents itself as plainly more achievable.” ― Lionel Shriver,We Need to Talk About Kevin”

 

A urgência hipnotica de uma história na qual seria impossível de acreditar… se não fosse tão inacreditavelmente verdadeira.

No enredo, um grupo de adolescentes vive obcecado com a fama e a vida do glamour,  especializando-se em assaltar casas de celebridades. Na lista de vítimas constam os nomes de Paris Hilton, Orlando Bloom e Rachel Bilson. O gangue tornou-se conhecido pela imprensa como “The Burglar Bunch” e “The Bling Ring”.

A inspiração e base de trabalho para o argumento surgiu do artigo de Nancy Jo Sales para a Vanity Fair – “The Suspects Wore Louboutins” –  onde a jornalista investigou e entrevistou vários membros do gangue que roubou mais de 3 milhões de dólares em bens de luxo.

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É sabido e garantido que a proporção de realizadores disposta a tornar “Bling Ring – O Gangue de Hollywood” num conto de moralidade ou numa observação que se distancia para alinhar um comentário crítico bem delineado e vísivel à aventura juvenil facínora é vasta. Mas Sofia Coppola, sabemos nós, não é realizadora de exercícios morais óbvios. Estes adolescentes habitam um mundo de prioridades deslocadas alimentado pela exploração desumana da figura pública. A crítica aberta ao seu comportamento ou a satirização do mesmo seriam abordagens lógicas, mas a questão que importa a Coppola responder é ainda mais arrepiante: “podemos mesmo culpá-los?”.

São os Estados Unidos da Celebridade e a distorção doentia do sonho americano. O mundo – não só os boémios e inconsequentes meninos ricos de Los Angeles mais apessoada, mas no fundo, todos nós – celebra a cultura da fama como se de uma vitória bélica se tratasse.  O encareceramento por posse de drogas é praticamente um rito de passagem, e a dieta estrita que seguimos ao perseguir todos os passos da nossa celebridade favorita é doentio ao ponto de lhes sabermos as posses, horários e aniversários melhor do que dos nossos amigos e familiares.

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E estas pessoas, tão repletas de si mesmas e do que todos os dias compram e recebem, mal reparam se uma parte dos seus bens são roubados. Valham-nos as boas e velhas câmaras de vigilância, porque a extravagância das celebridades só é superada pela estúrdia de um grupo de jovens que não hesita em partilhar os seus feitos delituosos no Facebook (existem hoje realmente experiências se não as publicarmos nas redes sociais), gabá-los na festa mais lotada e vender e usar os ‘frutos do furto’ desembaraçadamente numa versão da Feira da Ladra em Calabasas.

A sátira é mínima – na verdade, muitas das declarações mais “ridículas” dos membros do gangue são excertos de entrevistas reais – e o que preocupa Coppola é a existência de uma geração pronta a seguir os passos de celebridade famosas por serem famosas. A inveja não se posiciona no plano do talento ou dos feitos, mas da visibilidade e das etiquetas das roupas.

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Todas as experiências são imediatamente metamorfizadas num veículo de autopromoção.

A recorrência temática de Coppola mantém-se com a exploração de personagens que vivem em bolhas mágicas a invisíveis de poder e riqueza – uma realidade que desde cedo observa na primeira fila, não fosse o seu apelido um dos mais reconhecidos e respeitados em Hollywood.

O paralelismo com “Spring Breakers” de Harmony Korine é inescapável, uma vez que ambos abordam a modernização desviante do sonho americano e a desumanização da cultura moderna.

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A opulência visual não desilude e é uma constante ao longo dos 90 minutos, provisionada por um trabalho de fotografia superior de Christopher Blauvert e Harris Savides (que faleceu antes de terminar o filme) e uma montagem aguçada de Sarah Flack. A banda sonora volta, sem surpresa, a marcar pontos naquela que será um dos mais eficazes e completos ambiences sonoros – não pode ser coincidência a presença repetida e egocêntrica de Kanye West.

Não sendo um exercício perfeito, o segundo ato assume uma natureza repetitiva, as figuras parentais encontram-se demasiado distanciadas e a ausência de envolvência com os protagonistas são pontos de discussão válidos e justificados.

Da mesma forma, não têm faltado vozes a levantar-se sobre a sua abordagem amoral e acrítica. Mas reflitamos por um momento: fazia-nos falta mais uma exposição moral para demonizar comportamentos desviantes? Mais um filme para nos superiorizar?

Coppola tenta algo muito mais corajoso e perturbador.

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Ilusoriamente frívolo, este é o retrato de uma sociedade que perdeu as rédeas da sua própria cultura, uma geração que se acha no direito de posse de tudo o que toca, mas que é dominada por tudo o que vê.

A genialidade de “Bling Ring” é que não critica esta cultura predominante e deteriorada na humanidade, mas torna-se nela. Coppola é uma espécie de antropóloga, e o seu sonho febril povoado pelo excesso, insensibilidade e isolamento emocional é um filme-retrato do nosso tempo.

Ao apresentar o filme no mesmo plano dos seus protagonistas – vápido, distanciado da realidade e inconsequente – a realizadora identifica-os não como criminosos, mas como algo muito mais simples, direto e arrepiante: um mero produto do ambiente que os rodeia.

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