Casimiro e Carolina

Casimiro e Carolina, o desviar do coletivo

“Casimiro e Carolina” uma comédia trágica, afastada de 1929, que brinca com os jogos de poder numa festa onde se esbatem as diferenças sociais aquando o desrespeito.

A peça posta em cena no teatro nacional D. Maria II, encenada por Tónan Quito, começa com um casal, Casimiro e Carolina, que estabelecem a premissa de que o amor não conhece fim até alguém perder o emprego. A separação dos dois jovens é então levemente fundamentada no despedimento de Casimiro e na sua falta de vontade em celebrar a festa da cerveja enquanto Carolina quer esquecer o seu dia-a-dia e aproveitar o que aquela celebração anual lhe trará.
O espetáculo desenvolve-se num espaço que figura a própria relação interpessoal entre as personagens: um ambiente de festa, onde não há redenção, e cuja degradação é palpável. À medida que a peça avança há cada vez mais lixo em palco, cada persona deixa o seu rasto. Balões, torneiras de cerveja e máquinas de pipocas delimitam os 3 lados de um palco que alberga marcações de cena em carrossel: ninguém ousa ocupar o centro do palco e este apenas é utilizado como sítio de passagem. Apesar da peça se chamar “Casimiro e Carolina” e estas duas personagens marcarem o ponto de partida, a atenção do público é dispersada pelo suceder carnavalesco de ações levadas a cabo por várias personas em simultâneo, num palco dividido em zonas, e onde a cenografia é baseada na utilidade.

“Casimiro e Carolina”

A certo ponto, Erna diz que “a natureza humana é boa, são as circunstâncias que tornam os homens maus”. Será esta declaração convicta? Nas palavras do encenador, Tónan Quito, provavelmente esta não passa de uma estratégia da personagem levar o seu plano avante numa peça onde reina a paradoxal dicotomia entre a procura pelo outro, o desejo de pertença a uma comunidade e a solidão fundada na competição e na procura pela sobrevivência. O texto de Ödön von Horváth explora assim o conflito constante entre o consciente e o inconsciente de cada persona e no modo como cada uma delas se relaciona com o meio envolvente. Tónan Quito, a partir de diferentes métodos de estilização e de intensidade emotiva, junta em palco trabalhos de ator dispares começando no natural, passando pelo burlesco e atingindo o seu auge no grotesco absurdo.

Casimiro e Carolina
Rita Rocha Silva e Óscar Silva em “Casimiro e Carolina”

“Casimiro e Carolina” é uma peça que respeita o texto original e o seu retrato de uma sociedade tal como é, não tendo a intenção de mudar mentalidades. Figura a demissão da participação no coletivo e a escolha de encarar os problemas através da intoxicação individual num espaço cénico que remete para qualquer festa rural de verão portuguesa do século XXI. Cada indivíduo luta por si neste jogo de lobos onde todos se digladiam pelo lugar de alfa na alcateia. Há apenas uma coisa que os une e que, por momentos, os fazem esquecer o egoísmo extremo que usam para reger as suas ações: a cantiga, a mesma que em outros tempos terá movido massas, mas que hoje é apenas um fragmento de uma memória há muito perdida.

Casimiro e Carolina
“Casimiro e Carolina”

Em “Casimiro e Carolina” questões como a misoginia do texto original são suavizadas através da representação. Falas extremamente sexistas são pelo público desculpadas graças a todo o aparato burlesco que envolve a encenação, à ironia imposta pela interpretação. A peça levanta a questão sobre a possibilidade de amar em tempos de crise mas não leva o espectador a nenhuma conclusão. Este senta-se no teatro como que a ver um documentário acerca da sociedade atual onde o tema são as relações de poder entre o opressor e oprimido. O público é levado a olhar para Casimiro e Carolina como dois jovens sem maturidade, que sedem aos seus rompantes, que não dão o braço a torcer mas que também não agem pela sua própria felicidade.

Casimiro e Carolina
Elizabete Francisca e Pedro Gil em “Casimiro e Carolina”

“Casimiro e Carolina”, uma peça de Ödön von Horváth, encenada por Tónan Quito, contou com a interpretação de Diana Narciso, Elizabete Francisca, Joana Bárcia, Miguel Moreira, Óscar Silva, Pedro Gil, Rita Delgado, Rita Rocha Silva e Tónan Quito. A cenografia esteve a cargo de F. Ribeiro e desenho de luz por Daniel Worm. Tratou-se de uma produção de HomemBala e coprodução de TNDM II, Teatro Municipal do Porto e Centro Cultural Vila Flor.

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A sede de tudo viver ao mesmo tempo sem deixar nada de fora ditou o andamento da peça que terminou com uma festa da cerveja à qual, na manhã seguinte, todos se terão arrependido de ter ido.

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