GLOW, primeira temporada em análise

É uma coisa à superfície, e outra na sua intimidade. A série da Netflix é uma das melhores novidades deste verão, com Alison Brie a mostrar estar à altura do desafio. GLOW despe-se e exagera na maquilhagem, mas agarra os espectadores através da arte de bem contar uma história.

Nem tudo tem que ser uma obra-prima. Nos últimos anos temos sido presenteados com duas, três grandes séries novas por ano. Torna-se quase necessário contratarmos uma secretária ou um secretário para nos gerir a nossa carteira de séries. O vício, no entanto, é imortal; maior qualidade trouxe maior exigência e alguns sacrifícios, nunca se perdendo o lado social do passa-a-palavra, o chamado “Tens que ver esta série”.

Neste contexto, a Netflix surge como mecenas das séries que sabem o que são e o que querem, crescendo com tempo e liberdade criativa. Embora já tenha cortado as pernas a algumas apostas, diversifica a sua estratégia. Concilia o núcleo Marvel com os seus primeiros sucessos, House of CardsOrange is the New Black, importou Black Mirror, arriscou em Stranger Things, e tão cedo não deixará morrer dramas históricos como The CrownNarcos. Porém, há mais uma categoria: as séries suaves com mais camadas do que aparentam. Master of NoneBojack HorsemanLove podem ser arrumadas nesta caixa.

GLOW Alison Brie

GLOW pertence a esta família embora, até por ser produzida por Jenji Kohan, saiba a sumo de laranja servido numa prisão. Agora sem metáforas e floreados, embora completamente diferentes, é natural pensar-se em Orange is the New Black quando vemos um vasto grupo de mulheres em mise-en-scène que ao fim de poucos segundos conseguimos perceber tratarem-se de boas personagens, cómicas, excêntricas e escritas por quem, ao contrário de alguma concorrência, sabe o que é ser mulher.

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Liz Flahive e Carly Mensch, as criadores de GLOW, estão de parabéns. Por detetarem nas Gorgeous Ladies of Wrestling uma oportunidade, e pela qualidade da escrita deste original Netflix, a base para o bom trabalho do elenco e que deixa antever um futuro em crescendo.

GLOW ringue

Ruth Wilder (Alison Brie) é a cabeça-de-cartaz. A atriz, prejudicada pelo sexismo de ser vista até hoje como uma cara e um corpo bonito, tem em GLOW margem para ser e fazer tudo. Relembra os mais distraídos relativamente ao seu excelente timing como comediante (mais uma excelente “aluna” de Parks and Recreation), afirmando-se ao demonstrar amplitude, num papel que puxa por ela, e não a acorrenta a um só género.

A primeira cena de GLOW define bem a série e a sua protagonista. Ruth, uma atriz à espera de uma oportunidade, está numa audição e lê as linhas da sua personagem. No fim, as diretoras de casting dizem-lhe que aquele papel poderoso e invulgar, com o qual ela se identificara, é o do homem, e que ela deve ser testada apenas para o papel de secretária. A busca por mulheres pouco convencionais guia Ruth, atriz falhada mas apaixonada, ao ginásio que vira centro de treinos e de construção de personagem nos episódios seguintes. Com o realizador Sam Sylvia (Marc Maron) à procura do elenco certo para revolucionar o wrestling.

GLOW betty gilpin

GLOW é uma coisa à superfície, e outra na sua intimidade. Haverá quem quer ver a série porque se quer rir, quem avançou convencido pelos atributos físicos de Alison Brie e Betty Gilpin, ou ainda quem sempre adorou wrestling. A pertinência social (The Handmaid’s Tale não está só) despe-se e exagera na maquilhagem para, a seu tempo, agarrar os diferentes espectadores através da arte de bem contar uma história.

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Porque, ao vermos um conjunto de jovens mulheres nas preparações de um programa televisivo, temos uma perspetiva fascinante. Vemos uma história dentro de uma história, e vemos personagens a serem pensadas, construídas, num exercício com tanto de estereotipado como de sincero na forma como o admite. E é nesta lógica que GLOW consegue algo que Orange is the New Black tem tido dificuldade: produzir uma protagonista com a qual há empatia. E consegue-o, depois de uma primeira impressão negativa, ao dar-lhe o papel de antagonista na narrativa novelesca que vemos nascer para o programa-piloto. Protagonista como Ruth, vilã como Zoya the Destroya. Belo sotaque russo, Alison Brie.

GLOW maron

A acompanhá-la, está um elenco divertido e peculiar. Há Debbie (Betty Gilpin), a amiga de longa data de Ruth, Cherry (Sydelle Noel), a mais preparada fisicamente para o objetivo, e Machu Picchu (Britney Young), uma robusta e doce rapariga que espera estar à altura do legado da sua família de lutadores. Sem esquecer Sheila, que acredita ser um lobo, e as participações da wrestler profissional Kia Stevens como The Welfare Queen e da cantora Kate Nash como Britannica.

GLOW she wolf

Ao longo dos episódios, que podiam ser mais longos (variam entre 29 e 37 minutos, passando a série a correr), vemos a persistência de Ruth, o seu empenho físico e compromisso ao reinventar-se, percebendo aquilo que o wrestling é – uma novela com esteróides, que constrói e desenvolve personagens, fiel a uma fórmula limada ao longo de décadas. Vemos o enturmar, cada personagem a descobrir o seu espaço nesta abordagem subversiva, e no meio da boa disposição e do carácter descontraído, os momentos de Alison Brie e Marc Maron oferecem uma maturidade diferente.

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O derradeiro “Money’s in the Chase” é um bom pay-off, embora o episódio que melhor define GLOW é o sétimo “Live Studio Audience”, não só mas também graças ao jingle de Kate Nash. Caso haja uma segunda temporada, Liz Flahive e Carly Mensch poderão dedicar mais tempo a algumas das personagens com tanto de fascinante como de pouco explorado. E estas personagens merecem que aquele ringue seja a nossa casa por mais algumas temporadas.

TRAILER | Entra no ringue com as mulheres de GLOW

Não é preciso gostares de wrestling. GLOW é daquelas séries que passa a correr!

GLOW - Temporada 1
Glow Poster

Name: GLOW

Description: Ruth Wilder, uma atriz falhada mas apaixonada, vê num programa-piloto de wrestling feminino a oportunidade de construir uma carreira.

  • Miguel Pontares - 80
80

CONCLUSÃO

O MELHOR – GLOW é muito mais do que os fatos berrantes e as purpurinas levam a crer. Trabalha estereótipos e aborda questões raciais e de género com humor, agarrando o espectador através da arte de bem contar uma história. Desconstrói a escrita de personagens e o wrestling como uma narrativa novelesca.

O PIOR – Os episódios são curtinhos, e o maior foco em Ruth Wilder (Alison Brie) não permite explorar várias personagens secundárias como seria desejável.

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