O novo drama original Netflix, com uma premissa que soa bastante familiar, é o espaço certo para Jason Bateman brilhar (à frente e atrás da câmara). Descobrindo um caminho só seu, Ozark pode até tornar-se uma das grandes séries dos próximos anos. A atmosfera tensa, o tom e a violência que choca sem avisar serão traços a manter.
Pastiche – técnica utilizada na literatura e noutras artes, e que consiste em imitar ou homenagear diferentes textos, estilos ou autores, combinando-os de forma a gerar algo que é percecionado como uma criação independente. Mr. Robot bebe muito da cultura Fight Club; Stranger Things coleciona referências a clássicos de ficcção científica dos anos 80. A genialidade de ambas as séries está, no entanto, na capacidade de – oferecendo um produto que parece o filho das nossas paixões passadas – manter uma voz única e pertinente. Basicamente, já ali estivemos, mas nunca daquela maneira. O que é ao mesmo tempo confortável e desafiante.
As comparações entre Ozark e Breaking Bad são difíceis de evitar. Mas, neste caso, não há pastiche, há decalque. Porque é que ainda assim funciona? Três motivos. Para quem nunca viu a série de Vince Gilligan, porque parece um maravilhoso mundo novo. Mais importante, para quem viu, porque carrega aquilo a que podemos chamar o síndrome da ex-namorada. Fascinados, até damos uns beijinhos a Ozark, até um amigo nosso, mais clarividente, nos alertar que se calhar nos estamos a apaixonar, não pela série, mas por tudo o que vivemos com a nossa ex-namorada, Breaking Bad.

Feita esta desconstrução, Ozark acerta e revela inteligência num ponto. Mas antes, olhemos para a premissa do novo original Netflix. A logline será algo como: um consultor financeiro muda-se com a família para os Ozarks num ato desesperado e como último recurso para, através de um esquema de lavagem de dinheiro, pagar uma dívida de milhões a um cartel de droga.
E também não ajuda a separar as águas o facto de Jason Bateman, tal como Bryan Cranston, ser um ator reconhecido e associado aos seus méritos na comédia. Agora, a boa jogada de Bill Dubuque e Mark Williams, criadores da série. Para se descolar da épica série da AMC, Ozark foge a muitos traços-chave de Bad. Não constrói (para já) uma transformação de um homem certinho, assumindo-o in media res como imperfeito. Desta vez, a família sabe de tudo (não há filhos a tomar o pequeno-almoço, a léguas de tudo) e a traição de Skyler, perdão, Wendy, é logo um dado adquirido no episódio-piloto.
Depois de Walter White ou Don Draper, Ozark oferece ao espectador mais um anti-herói, Marty Byrde (Jason Bateman). E Bateman é a figura suprema da série, assumindo-se não só como protagonista mas também como realizador de quatro episódios.

Embora muito tenha batido na tecla Breaking Bad, vistos os dez episódios a sensação global que fica é que Ozark até se aproxima mais até de séries como Justified, Banshee, Bloodline ou Quarry (uma das melhores séries de 2016, cancelada pelo Cinemax). A nível de ambientes, de fotografia e no grafismo cru que elege ao expor a violência chocante e dolorosa de unhas arrancadas, corpos atirados de arranha-céus, ferimentos de caçadeira e bebés submersos.
No centro de tudo estão Marty e Wendy (Laura Linney), afastados no leito, próximos no crime. Bateman e Linney puxam pelo resto do elenco, no qual se destaca a revelação Julia Garner como Ruth Langmore. No universo de personagens, Petty, um agente do FBI, e os filhos do casal Byrde acabam por não ser tão bem trabalhados, mas no seu todo a teia de personagens secundárias reforça o potencial de Ozark. O clã Langmore, um padre em conflito e os antagonistas – Del, o mexicano que gere o cartel a quem Marty deve milhões, e o casal Snell – transportam na sua imprevisibilidade e capacidade de substituir calma por loucura num estalar de dedos, o ADN sinistro da série.

O episódio-piloto agarra, e a ação melhora à medida que o relógio ou prazo de Marty se aproxima do fim. Quando todas as personagens locais de Ozarks ficam interligadas e obrigam Marty a desencantar soluções e procurar mútuos acordos encostado à parede, é quando Ozark começa a desabrochar. Embora o faça, a economia do crime poderia mais explícita: detalhar o processo de lavagem de dinheiro de Marty para Del só ajudaria a série a tornar-se mais real e plausível.
“Sugarwood”, “Coffee, Black” e “The Toll” são os três picos emotivos, coincidência ou não todos realizados por Jason Bateman. E assim como a realização e os desempenhos dos atores estão no ponto (nunca é demais elogiar o contido, asfixiado e magnético trabalho de Bateman), o texto podia ser efetivamente melhor.

Ganância e sobrevivência. Causa. Consequência.
Ozark evolui ao demarcar-se da série a que facilmente se associa pela sua premissa. Comparando-a com novas séries de 2017, não é um produto tão polido e independente como Legion, The Handmaid’s Tale, Big Little Lies ou GLOW. Mas, no seu suposto plano de cinco temporadas, tem claro espaço para melhorias, podendo tornar-se uma das grandes séries dos próximos anos desde que, preservando a atmosfera tensa, descubra um caminho só seu.
TRAILER | Droga, dinheiro, família, violência… Ozark
Já começaste a ver Ozark? Tens curiosidade de ver o brilharete de Jason Bateman?