13º IndieLisboa | 6A, em análise

Em 6A, a primeira longa-metragem de Peter Modestij, uma reunião de turma numa escola sueca rapidamente se torna numa tempestade de hipocrisia parental e pedagógica.

Poder-se-ia dizer que, na mesma medida em que o cinema independente americano tem sido tipificado e influenciado pelo trabalho mais tardio de John Cassavetes, pelo menos a um nível estético, o cinema europeu tem sido influenciado por uma tradição de realismo social e minimalismo formalista, que, desde o final dos anos 90, tem encontrado a sua apoteose no nome Dardenne. Câmara ao ombro, imagem instável e imensamente tremida, abundante uso de zooms e outros mecanismos inspirados no cinema verité, e uma ênfase no trabalho de ator, muitas vezes filmado a partir de grandes planos quase claustrofóbicos dos seus rostos. Em geral, é uma abordagem estilística que procura um ilusório ideal de autenticidade cinematográfica, resultando, no entanto, numa infeliz aparência de abjeta displicência formal.

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Para seu triunfo e fracasso, 6A, a primeira longa-metragem do realizador sueco Peter Modestij, é intrinsecamente ligado a esta tradição cinemática. Aliás, se apenas fugazmente vislumbrarmos as suas imagens, ou uns minutos da sua totalidade, será bastante fácil confundi-lo com uma variedade de outros filmes que partilham esta mesma técnica. Usualmente assume-se que o cinema independente está mais distante dos limites da convenção que caracterizam muitas obras mais comerciais e de grandes estúdios, mas o facto é que, obras como 6A provam que tal não é garantido. E assim, um cinema que deveria estar afastado do mainstream, torna-se tão ou mais corroído por convenções padronizadas como esse cinema. É claro que se pode, obviamente, apontar que, neste caso específico, tais convenções poderão fazer sentido dramático e estético. Infelizmente isso não é o que acontece.

6A

Narrativamente, 6A retrata uma reunião de turma em que um grupo de pais preocupados, uma jovem professora recentemente chegada à escola depois da última pedagoga deste sexto ano ter sofrido um esgotamento, e três alunas. Essas jovens, das quais uma não está acompanhada por nenhum dos pais, são abertamente acusadas de serem a causa principal dos problemas que têm vindo a afligir a turma, sendo especificamente acusadas de praticarem bullying a partir da exclusão dos seus colegas e constantes acessos de fúria durante as aulas. Essa situação já resultou na saída de quatro alunas da turma, quando encontramos as personagens, e, segundo as informações que são dadas, parece que mais uma para lá caminha.

Basicamente, o filme consiste numa apresentação naturalista dessa reunião, exposta em tempo real e sem uso de música ou outro tipo de acompanhamento dramático. Tal como seria de esperar, o grande plano instável é a imagem de eleição, o que, juntamente com o uso indisciplinado de zooms, tem a peculiar consequência de isolar e distanciar as figuras humanas, fragmentando o espaço e o coletivo de pessoas em conflito. Essas mesmas interações são o centro do filme, pelo que a sua difícil e limitada leitura é um terrível desastre por parte dos cineastas, enquanto, ao mesmo tempo, tal insularidade visual é uma fascinante tradução formal da limitação ideológica que todas as personagens, especialmente os adultos, parecem apresentar. Mesmo assim, tendo em consideração tal relação temática, é bastante difícil não olhar 6A e nele ver apenas um rudimentar telefilme barato e não uma obra feita com o intuito de ser apreciada no grande ecrã.

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Apesar destas incontornáveis fragilidades formais, 6A, como se pode verificar na descrição da sua história, é um filme em que o conteúdo ideológico das personagens e seus conflitos são colocados em lugar de primazia. Aliás, a displicência visual exposta pelo realizador, especialmente no seu uso de uma luz que retira qualquer possível ideia de profundidade à imagem, nunca parece algo acidental e é fácil assumir que todas estas questões são, na verdade, escolhas extremamente propositadas, por muito discutíveis que sejam suas intenções e consequências finais. Sendo assim, talvez ainda mais relevante que esses elementos estéticos é o texto, e, num segundo patamar de importância, o trabalho do elenco.

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O argumento, apesar de alguns problemas de intenção. que se revelam com a sua conclusão, é o inequívoco ponto forte do filme. Os jogos de palavras, formalidades fúteis e expressões esvaziadas de sentido pelo seu cliché são a norma no discurso adulto, fazendo com que o filme se converta numa espécie de espetáculo teatral de hipocrisia face a um problema que ninguém parece realmente compreender ou querer perceber. A um certo ponto, parece mesmo que estamos numa caça às bruxas em que qualquer culpado servirá, desde que se encontre uma ilusória resolução para a reunião.

O bem-estar dos alunos e real funcionamento da turma acabam por se tornar questões de segundo plano, enquanto intervenientes de importância, como a professora, apenas se preocupam em se desculpabilizar e negar quaisquer sugestões que fizeram algo de errado. Nesse sentido, os atores são um grande sucesso do filme, perfeitamente transmitindo os problemas na argumentação das suas personagens sem nunca realmente caírem no erro de deixar cair as suas fachadas de superficial respeitabilidade e suposta maturidade. No meio desta tempestade de incompetência parental e pedagógica, apenas as três alunas parecem sair da sala com alguma dignidade, apesar dos seus muitos acessos de fúria e geral atitude de insolente arrogância juvenil as marcarem como presenças inequivocamente imaturas.

O final, do filme e da reunião, é o cúmulo desta hipocrisia adulta. Quando sabem que uma informação fulcral já havia sido transmitida a um outro adulto, um profissional da escola, os pais apaziguam-se e decidem que devem terminar a reunião. Enquanto eles se felicitam uns aos outros pelo seu progresso, a audiência observa-os na completa certeza que nada foi resolvido, que toda esta hora foi uma completa inconsequência, cujo único resultado foi uma montanha de propostas vácuas, acusações não fundamentadas e clichés oferecidos como seguranças precárias. O grande problema de 6A, enquanto filme, é exatamente essa inconsequência, pois, através dos seus mecanismos cinematográficos, breve duração e vasta textualidade naturalista, acabou por se converter numa experiência tão vácua, dispensável e cheia de falsas resoluções, como a situação que se propõe a retratar e criticar.

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O MELHOR: As prestações das três atrizes nos papéis das supostas bullys, que nunca atenuam a insubordinação das suas personagens, mas também conseguem fugir a redutoras caricaturas.

O PIOR: A completa indiferença formal em exposição por todo o filme.


 

Título Original: 6A
Realizador:  Peter Modestij
Elenco: Emine Özkan, Tyra Olin, Omeya Lundqvist
Drama | 2016 | 61 min

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