Veneza 73 (Dia 7) | ‘La Región Selvaje’: Sexo & Extraterrestres

‘La Región Salvaje’, do mexicano Amat Escalante (‘Los Bastardos’), um estranho drama com uma criatura extraterrestre, que faz despertar instintos sexuais é o filme mais polémico desta competição: ou se ama ou odeia, mas não deixa ninguém indiferente.

Os filmes com extraterrestres, criaturas com poderes especiais, encontros imediatos,  e ovnis, parecem estar a regressar aos ecrãs e a tornar-se uma espécie de obsessão, não apenas dos realizadores de blockbusters, mas nos cineastas-autores, como Jeff Nichols, com Midnight Express, estreado na última Berlinale. Aqui na Veneza 73 esta tendência começou com Arrival do canadiano Denis Villeneuve, um filme sobre a capacidade de comunicarmos com criaturas muito diferentes da nossa Humanidade. E agora eis que em La Región Salvaje, do mexicano Amat Escalante, outra criatura extraterrestre de muitos tentáculos chegou ao Lido, desta vez para comunicar de uma forma física e sensual, ao ponto de despertar nos seus interlocutores, instintos sexuais e prazer total.

La Región Salvaje

La Región Salvaje, de Amat Escalante (Los Bastardos), um realizador premiado no Festival de Cannes 2013, por Helí (e um aparente seguidor do cinema do seu compatriota Carlos Reygadas), segue a linha dos seus filmes anteriores marcados pelo realismo fantástico e violência. Por isto este La Región Selvaje não aponta como nos filmes de extraterrestres, para um contacto pacífico ou verbal com os humanos, muito menos para uma luminosa batalha nas estrelas. Mas antes, para uma perturbadora provocação erótica, que mistura real e fantástico, tornando-se no filme-escândalo desta Veneza 73.

Passado na região de Guanajuato, uma das mais católicas e conservadoras do México — curiosamente a terra natal do realizador —, La Región Salvaje procura retratar em primeiro o social dos habitantes de uma pequena localidade marcada por fortes valores familiares e religiosos. Que no entanto, parecem viver reprimidos, infelizes e marcados  por um ambiente de machismo, sexismo, misógenia, homofobia, e por uma pulsação proibida e secreta de desejo e erotismo.

Alejandra (Ruth Ramos), uma jovem mãe trabalhadora, vive com Angel (Jesús Meza), seu marido e com dois filhos pequenos numa pequena cidade da região de Guanajuato. O seu irmão Fabian (Edén Villavicencio) é enfermeiro no hospital local. A sua vida pacata é perturbada pela chegada da misteriosa Veronica (Simone Bucio). É Veronica que convence os dois irmãos a irem a uma cabana isolada na floresta próxima, onde vive uma estranha criatura com muitos tentáculos, que não pertence ao mundo terrestre, mas que poderá ter a resposta para seus problemas e pulsações sexuais. E como num ritual pagão triunfa o desejo e erotismo, proporcionando aos protagonistas múltiplos orgasmos que a sociedade rejeita e reprime.

Vê trailer de La Región Salvaje

Na verdade, La Región Salvaje procura fantasiar um ritual pagão de purificação, que está na história universal, e que culmina obviamente num sacrifício libertador (e aterrador), contrariando os preceitos da religião católica e dos mecanismos de repressão, que domina esta região, o México em geral, como vimos muitas vezes no cinema desde El Angel Exterminador, de Buñuel. A história La Región Salvaje é linear e ambígua, alternando entre o realismo social e o fantástico/terror, típico do universo místico latino-americano. A criatura dos tentáculos, funciona como uma representação simbólica da complexidade ambígua da mente humana e sobretudo do inconsciente. Como dizia Freud (e mais tarde Jung), é a fonte das nossas necessidades corporais, desejos, impulsos sexuais e agressivos, e no fundo do nosso lado mais selvagem.

Amat Escalante

La Región Salvaje é de facto o filme de ‘prós e contras’, destinado a dividir as audiências e dividiu aqui muito aqui a critica. Seguramente esta ‘criatura’ pensada por Amat Escalante, — não muito diferente no aspecto de Alien, 8º Passageiro, mas mais sensual, perversa e grotesca —  acaba por ser repelente, mas ao mesmo tempo muito perturbadora na sua misteriosa existência e função libertadora, tal modo que este filme não deixa ninguém indiferente.

JVM (em Veneza)

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