Venice Sala Web | Die Einsiedler, em análise

Uma família enfrenta a crueldade e a magnificência da Natureza em Die Einsiedler do cineasta Ronny Trocker, cuja infância nos Alpes Italianos foi uma influência basilar nas filmagens deste projeto. Tal como todos os filmes presentes no Venice Sala Web, esta obra foi exibida no Festival Internacional de Veneza e está, de momento, disponível no Festival Scope.

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Dizer que o aborrecimento e a letargia têm lugar e valor na apreciação do cinema, pode parecer a muitas pessoas o cúmulo do pretensiosismo. No entanto, há que admitir como algumas obras realmente utilizam o atordoamento enfadonho da sua audiência como um dos seus mecanismos principais. Pense-se em Jeanne Dielman de Chantal Akerman, por exemplo, onde a cineasta belga vai hipnotizando o espetador, anestesiando-o com a sua representação do quotidiano comum, de tal modo que, quando algo que foge minimamente à norma ocorre, a reação de quem vê o filme é elétrica.

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Die Einsiedler, a nova longa-metragem do cineasta Ronny Trocker, é um filme em que também o aborrecimento se prova uma parte integral da sua gramática cinematográfica, sendo este, na sua essência, um filme sobre o tédio e sobre a solidão. Esta é a história de Albert e seus pais, Marianne e Rudl, que vivem na parte germanófona dos Alpes italianos, ele no vale e os seus pais numa quinta situada na agreste encosta da montanha. Separados da civilização pela fragilidade dos seus corpos e a magnificência cruel da natureza onde habitam, o casal idoso tem o filho como sua grande ligação ao exterior, com ele a visitá-los constantemente, talvez numa mostra da sua vontade de se isolar também do mundo exterior. Um dia, no entanto, Rudl morre e Marianne tenta esconder isso do filho, não querendo que ele acabe a sua vida sozinho e perdido naquela quinta decrépita. O subterfúgio não dura muito e o resto do filme examina o conflito entre dois modos de vida, ambos caracterizados por certos tipos de isolamento, um por causas geográficas e outro por autossabotagem.

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Com isso em consideração, é fácil justificar o ritmo glacial do filme, sua abundância de silêncios e alergia a qualquer tipo de ação proactiva da parte das suas personagens, mas tal não significa que isso seja mais fácil de suportar enquanto espetador. Parte do problema devém da abordagem padronizada tomada por Trocker que, como muitos outros realizadores, segue uma estética realista europeia que banaliza o seu filme e o torna genérico no panorama do circuito dos festivais. Mas não é tanto a nível estético que essa abordagem mais prejudica o filme, mas sim a nível humano e narrativo. Basicamente, na sua apologia dos clichés usuais deste tipo de cinema, onde ninguém fala muito, onde o silêncio predomina, onde as pessoas passam a vida sentadas a contemplar a sua existência, Die Einsiedler cai numa série de clichés e fórmulas que sufocam mesmo as suas mais fascinantes ideias, que, verdade seja dita, parecem mais apropriadas a uma curta-metragem que a um filme que tem quase duas horas.

Falando em termos mais ligados à forma do projeto, esta é uma obra rica em longos takes estáticos, cujo conteúdo, infelizmente, não consegue justificar a sua duração. Mestres como Tarkovsky ou Hsiao-Hsien, encontram nesta observação prolongada uma oportunidade para conjurar imagens multifacetadas cheias de fascinantes interpretações e significantes. Em Die Einsiedler, por outro lado, a beleza e impacto das imagens é forte e arrebatador, mas não suporta nem tem a densidade necessária para o tipo de ritmo letárgico em que Trocker quer trabalhar. Pelo menos, uma coisa é certa, a fotografia de Klemens Hufnagl captura com admirável solenidade e magnificência a natureza que envolve os seres humanos.

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Aliás, o retrato do mundo natural e sua relação com os humanos que nele tentam sobreviver é o aspeto mais interessante de todo o projeto. Em planos gerais, a paisagem montanhosa ergue-se sobre as personagens com uma monumentalidade esmagadora, impondo-se de um modo quase agressivo, e o modo como Trocker o aborda e situa na narrativa revela uma perspetiva complexa, mais próxima de Herzog ou Mallick do que muitos outros cineastas que cegamente celebram a beleza natural como se estivessem inebriados em Rosseau. Em Die Einsiedler não há nada de idílico nas montanhas, mas há bastante crueldade de proporções divinas. Quando ocorre uma derrocada na mina de mármore onde Albert trabalha, ou uma avalanche na montanha, a sonoplastia do filme explode numa cacofonia ensurdecedora, como se a Natureza furiosa estivesse a reclamar sua autoridade sobre o mundo e a expulsar os homens, algo que é sublinhado pelos desenvolvimentos finais do filme.

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Apesar desses elementos e ideias valerosas, é impossível olhar para esta obra como algo mais que um projeto fracassado. Talvez não o seja para o seu realizador, cujas intenções parecem estar executadas com precisão no objeto final, mas é-o para as audiências que a sofrem. Como nota final, há que elogiar o trabalho exímio de Ingrid Burkhard, no papel de Marianne, que tem a difícil tarefa de telegrafar anos de vida dura, desespero solitário e teimoso amor maternal num registo minimalista que está sempre em direto confronto com a espetacular grandiosidade dos Alpes.

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O MELHOR: Os momentos em que a fúria da Natureza se manifesta em toda a sua terrível maravilha e a sequência que marca a última visita de Albert à quinta onde cresceu.

O PIOR: O ritmo lento capaz de testar a paciência a um santo, as prestações apáticas da maior parte do elenco, com uma exceção notável, um enredo amoroso que nunca funciona de modo orgânico e a falta de dinamismo visual, apesar da admirável fotografia das paisagens.


 

Título Original: Die Einsiedler
Realizador:  Ronny Trocker
Elenco: Andreas Lust, Ingrid Burkhard, Orsi Tóth, Peter Mitterrutzner
Festival Scope | Drama | 2016 | 111 min

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