13º IndieLisboa: ‘Mate-me, por Favor!’, entrevista com a realizadora Anita Rocha da Silveira

‘Mata-me por Favor’, uma primeira obra da jovem carioca Anita Rocha da Silveira, é um thriller que passa hoje na competição internacional do 13º IndieLisboa. A MHD viu o filme na Mostra de Veneza, e falou com a realizadora.

Anita Rocha da Silveira

Anita Rocha da Silveira é uma jovem realizadora com pouco mais de 30 anos. Estreou-se nas curtas-metragens com, O Vampiro do Meio-Dia (2008), Handebol (2010) e Mortos Vivos, esta última estreada na Quinzena dos Realizadores em Cannes e no Curtas de Vila do Conde, em 2012. São três curtas que vale a pena recuperá-las já que conjugam vários elementos (vampiros e zombies), que estão presentes nesta sua primeira longa-metragem Mata-me Por Favor.

Vê trailer de Mate-me Por Favor

O filme que entrelaça o thriller e o terror adolescente, passa-se no famoso bairro da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e conta como o dia-a-dia de Bia (Valentina Herszage), uma jovem de quinze anos, e do seu irmão João (Bernardo Marinho) de 25 anos de idade, é alterado por uma série de sombrios assassinatos de mulheres num descampado. A vertigem do perigo e terror servem igualmente de pretexto para retratar algumas questões enfrentadas pela juventude da classe média brasileira na actualidade

MHD: Como nasceu a ideia para fazer ‘Mate-me Por Favor’?

ARS: O filme vem na continuidade de aquilo que já venho fazendo nas minhas curtas-metragens: o universo adolescente, morte, desejos, violência. Mas principalmente em situações que eu vivi na minha adolescência, das histórias de amizades femininas, de quando surgem os primeiros desejos, dos primeiros contactos com a morte. E de certo modo também me inspirei na morte de uma amiga minha que cometeu suicidio no final da nossa a adolescência. E para aceitar um pouco a morte dela, fiquei muito triste e com muita raiva, mas depois comecei a pensar o que levou a fazer aquilo de onde veio esse desejo dela de se matar. E a partir de aí comecei a trabalhar na construção do filme.

Mate-me Por Favor

MHD: Porque o filmou na Barra da Tijuca?

ARS: Quis filmar nesse bairro da Barra da Tijuca, pois foi lá onde há uns anos aconteceu um assassinato que me marcou muito quando eu tinha sete anos de idade: a morte de uma actriz de novela muito famosa a Daniela Peres, que foi assassinada pelo seu par romântico. As fotos dela assassinada naquele terreno na paisagem super-árida da Barra, ainda sem uma grande pressão imobiliária com grandes prédios em volta, marcaram-me muito. Isto tudo somado e a tal questão de ser uma primeira longa-metragem, onde tudo  parece ter a ver com a nossa vida e as nossas memórias. Você vai juntando tudo ali e passando de uma coisa para outra…

MHD: Você vive ou viveu lá?

ARS: Não… não. Cresci no Rio de Janeiro mas nunca cheguei a morar na Barra. Tenho amigos que viveram lá e fui muitas vezes visitá-los. Você acaba por ter contacto com aquela vida do condomínio fechado, de não sair mais de lá da Barra. Até é costume a gente que vive na Barra fazer excursões do colégio até ao centro do Rio de Janeiro. Alguns nunca sairam da Barra, só sairam para o aeroporto para irem à Disney. As pessoas estão como cercadas por aquela ideia de condomínio, os pais trabalham fora, enquanto os filhos estão lá naquele lugar cheio de vigilância, e circulam da casa para o colégio, do colégio para a piscina do condomínio sem saírem daquele espaço. Os pais podem estar longe pensando que está tudo bem porque aquilo ali é seguro.

MHD: A Barra da Tijuca mudou muito…

ARS: Sim a Barra vai-se expandindo. O que é hoje a Barra eram outros bairros. Mas ficou Barra para valorizarem o imobiliário. E a cidade vai crescendo para a zona oeste. O filme não se passa na Barra dos anos 70, mas na Barra de agora, reconstruída que fica a 1h30  de carro aproximadamente da zona sul do Rio de Janeiro.

Mate-me Por Favor

MHD: Neste filme há muitas referências dos seus zombies, mortos-vivos e do andebol, das suas curtas-metragens anteriores….

ARS: Sim. O projecto começou como uma espécie de continuação do Handebol. A minha ideia era de um grupo feminino e do jogo de andebol, mas depois fui desenvolvendo de outra maneira, mas esta longa e como o fechar de um ciclo, mantendo-me no universo jovem e adolescente. Espero no meu próximo projecto lançar-me numa outra temática.

MHD: As adolescentes da Barra são todas tão afoitas como a Bia, a personagem central de ‘Mate-me Por Favor’?

ARS: Tem de tudo…sim mas esta geração de adolescentes da idade da Bia (15 anos) é muita aberta às experiências sexuais. Falam por exemplo que toda a gente é bisexual. Eu que tenho 30 anos, recordo-me do meu tempo do colégio, um colégio muito grande do Rio de Janeiro, com 50 pessoas por turma e várias turmas por ano, ninguém assumia que era gay. Qualquer menino mais efemininado era espancado e gozado por todos no colégio. Vejo que em 15 anos esta situação mudou completamente. Existe ainda algum preconceito, mas no geral os jovens são muito mais abertos e mais tranquilos a falar de sexo e dos seus corpos. No caso da Bia ela é uma personagem de muitos elementos e não tem mais um julgamento moral, ela faz aquilo que o corpo dela manda.

MHD: Porque é que os adultos não entram no filme? Eles são várias vezes referidos mas nunca aparecem?

ARS: A ideia era essa mesmo em primeiro lugar para potencializar esta história de jovens e este universo alternativo; e em segundo a tal lógica desse bairro, onde os pais passam o dia trabalhando fora, viajam e acham que os filhos estão bem e protegidos. Recordo-me já que quando era adolescente havia vários amigos meus que passavam a vida sozinhos em casa. Os pais estavam fora a viajar, a empregada passava por lá às vezes, para ver se estava tudo bem. Coisas da classe média. Não foi o meu caso mas muitos dos meus amigos os pais nunca estavam, passavam a vida a fumar charros e fazerem festas lá em casa. Havia uma amiga minha que os pais se divorciaram tinha ela uns 8 anos e eles não se falavam, por isso mandavam recados um ao outro. A mãe ficava com o namorado e mandava para as do pai e ela não ia. Aí com 13 anos passava duas e três semanas sozinha em casa, tratando de ela própria, ia buscar dinheiro a casa do pai de vez em quando e lá andava. Eu quis na verdade potencializar esta situação de muitos jovens que vivem criando-se sozinhos.

Mate-me Por Favor

MHD: Como chegou a este grupo de actrizes tão novas?

ARS: Para mim era muito importante escolher um grupo de cabeça aberta e de meninas inteligentes. O casting é para mim quase 80% do trabalho. Escolher bem as atrizes. O Facebook é muito popular no Brasil e seis meses antes das filmagens pusemos um anúncio, fui a algumas escolas de teatro, vimos algumas aulas, pusemos alguns cartazes e aí recebi material de mais de 500 garotas. No primeiro teste ficaram 200, fizemos uma conversa mais monólogo e depois um grupo de 50 e depois pouco a pouco ate chegar a ao grupo das 4 protagonistas. E depois mais algumas meninas para o elenco secundário. Procurei escolher meninas que tivessem uma certa inteligência emocional, para conseguirem entender a temática do filme. A Valentina que faz a Bia até ao final estava entre ela que tinha 15 anos na época e uma menina de 19 que visualmente até parecia mais jovem do que ela. Mas quando falávamos de sexo a Valentina era muito mais tranquila, ao passo que a outra se sentia muito mais insegura. Depois de um longo processo de preparação, de muitas conversas acabei por me decidir pela Valentina.

MHD: Elas tiveram muita margem para improvisar?

ARS: Há uma única cena improvisada, que é aquela em que levanta as pernas. O resto é o guião palavra por palavra. Sou muito controladora na rodagem. Nos ensaios alterei um pouco os textos, as expressões, mas os diálogos 90% fui eu que os escrevi.

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MHD: Esta história de adolescentes é também um pretexto para falar do País e de uma cidade que está a mudar por causa das Olimpíadas…

ARS: De facto há essa preocupação de mostrar no filme uma classe média e a Barra da Tijuca que simboliza muito essa questão de um Brasil, país do Terceiro Mundo, que virou pais em vias de desenvolvimento e com um crescimento um pouco desenfreado, procurando imitar o modelo norte-americano, mas sempre de uma forma muito equivocada. Com aquela ideia de que é muito importante estar seguro, ter câmeras de vigilância, que é um certo desejo da classe média. E agora a Barra vai ser o máximo durante as Olimpíadas. O filme é um bom retrato dessa classe média e das suas inseguranças, de uma certa ideia de conforto e de controlo de tudo. Um prédio enorme onde você tem tudo: um mercadinho, piscina, ginásio, e até um colégio dentro do condomínio gradeado, com câmeras de vigilância, mas logo de fora está um terreno baldio e uma estrada de terra batida. Os jovens vivem quase isolados ali num espaço onde você não pode ir caminhando ou descobrindo o mundo, ou sair à rua pedalando na sua bicicleta. Para sair dali tem que ser de carro ou de transporte. As personagens de Mate-me por Favor subvertem completamente esse espaço. Como todos os jovens as meninas querem explorar a cidade.

Mate-me Por Favor

MHD: Também no filme aparece a forte influência das igrejas evangélicas. Aquela personagem da jovem pastora evangélica é exagerada ou existe mesmo?

ARS: Na verdade existem igrejas evangélicas com pastores jovens. Há mesmo uma igreja muito grande em que há pastores com 15 anos. Há um certo exagero nas roupas sedutoras que ela veste. Mas em relação ao discurso e à idade é mesmo assim. As igrejas evangélicas crescem no Brasil e em grande diversidade desde as mais severas a outras que são muito voltadas para o público adolescente ao ponto de organizarem mesmo raves.

MHD: O guarda-roupa das meninas e a banda sonora são muito importantes no filme, tudo parece muito ligado?

ARS: As roupas são mesmo as que vestem as meninas daquela idade, da classe média brasileira. A musica é o funky melody, um som muito próprio do Rio de Janeiro, um som que veio de Miami nos finais dos anos 80 e que se expandiu de tal maneira primeiro nas favelas e que depois desceu para o asfalto e que toda a gente conhece. São músicas que fazem parte do nosso imaginário. Uma batida funky matizada de romance e sedução. Mas também usei algumas músicas norte-americanas que deram origem a esta corrente brasileira.

Mate-me Por Favor

MHD: Estava a lembrar-me daquela festa dos adolescentes é uma cena genial…

ARS: É muito comum isso tipo de festas de aniversário das ‘patricinhas’ da classe média. No Brasil é aos 15 anos e não como os norte-americanos com o sweet-sixteen (16 anos). Mas também nas classes baixas as familias economizam muito para fazer uma festa de 15 anos. Contratam um príncipe, geralmente um moço bonito. Quando têm dinheiro as familias até contratam um actor famoso, para abrilhantar esse baile de debutantes, com roupas bonitas e brilhantes.

JVM



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