1º Cine Atlântico (Dia 4): De Olhos Postos no André
O Cine Atlântico – Mostra de Cinema Português de Hoje aproxima-se do seu fim hoje, dia 27 de novembro. Na sala de cinema da Recreio dos Artistas, serão exibidos os três últimos filmes do certame angrense: ‘O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu’, de João Botelho; ‘Os Olhos de André’, de António Borges Correia, contando com a presença do realizador e ‘Cartas de Guerra’, de Ivo M. Ferreira.
Em O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu, o realizador João Botelho prestou uma homenagem a Manoel de Oliveira, do qual se assume como discípulo, num filme íntimo, pessoal, poético e que todos os cinéfilos, alunos entusiastas do cinema devem ver. Este filme é sobretudo uma obra que procura eliminar todos e quaisquer preconceitos em relação ao cinema de Manoel de Oliveira.
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Assim João Botelho procura secar as lágrimas e passar do luto à alegria de filmar e imortalizando o seu mestre, falecido em 2015, com 106 anos de idade e 80 de cinema.
‘…este filme é uma brilhante declaração de amor ao cinema, um magnífico documento contra o esquecimento do maior dos cineastas portugueses…’
Narrado em voz o pelo próprio Botelho, O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu explica o que há de melhor e o que tanto admira no cinema de Oliveira, utilizando obviamente imagens dos filmes que melhor caracterizam uma obra transversal, carregada de preceitos da cultura e literatura portuguesa e igualmente marcada de muito humor e ironia.
Na parte final, João Botelho surpreende ao rodar um filme dentro do filme intitulado, A Rapariga das Luvas, uma curta-metragem a preto e branco ao ‘estilo oliveiriano’, feita a partir de uma história inédita escrita pelo próprio Manoel de Oliveira.
O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu é uma brilhante declaração de amor ao cinema, um magnífico documento contra o esquecimento do maior dos cineastas portugueses e acima de tudo uma grande lição de cinema.
OS OLHOS DE ANDRÉ: PAI À FORÇA
Os Olhos de André de António Borges Correia é uma curiosa obra cinematográfica, entre o documentário e a ficção, que recria em pormenor uma história de família verdadeira, interpretada pelas pessoas que a viveram na realidade, nas belas paisagens nortenhas de Arcos de Valdevez.
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Trata-se de um filme feito no seguimento de um olhar já desenvolvido por António Borges Correia nos seus filmes anteriores (O Lar, 2008 e O Gesto, 2011), que passa pela contaminação do documentário com as histórias de ficção. Depois de uma separação, um pai ainda relativamente jovem tenta reconstruir a sua vida, para acolher novamente o seu filho André e voltar a unir na mesma casa uma família dividida, pela doença da mãe e os seus escassos recursos.
‘Trata-se de um filme feito no seguimento de um olhar já desenvolvido pelo realizador que passa pela contaminação do documentário com as histórias de ficção.’
Os Olhos de André dá-nos a conhecer através do cinema uma vida real de uma família que vive num país verdadeiro e profundo, eliminando a distância entre o ecrã e o espectador.
É um excelente filme e um belo exercício, que funde os elementos típicos do documentário observacional com a ficção: envolvemo-nos nesta história de família seguindo a simplicidade do drama c, através do foco dos olhos e pensamento do miúdo.
CARTAS DA GUERRA: FAZ AMOR E NÃO GUERRA!
Cartas da Guerra, de Ivo M. Ferreira, é uma espécie de alma de toda a obra de António Lobo Antunes, sobretudo pela autenticidade e inocência com que é escrita. Trata-se de um belo poema de amor em tempo de guerra, feito com imagens, sobre as memórias e os traumas do ultramar português. É sobretudo um filme que faz um notável casamento entre a literatura e cinema.
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Cartas da Guerra é baseado nas cartas escritas por António Lobo Antunes, à sua então esposa Maria José (interpretada neste filme por Margarida Vila-Nova), publicadas em 2005 com o título D’este viver aqui neste papel descripto (Cartas da Guerra). E foi a partir destas declarações de amor e saudade que Ivo M. Ferreira criou uma bela parábola sobre a guerra colonial, que é ao mesmo tempo uma apologia do amor romântico e filme de guerra, que combina a realidade com a ficção.
‘uma obra que é ao mesmo tempo uma apologia do amor romântico e filme de guerra, que combina a realidade com a ficção.’
No entanto, Cartas da Guerra é igualmente um ensaio poético em que as imagens complementam a crónica falada em voz off, do alferes-médico António (interpretado pelo actor Miguel Nunes), marcado por uma impressionante tensão e desespero.
Rodado num preto-e-branco brilhante, que realça a paisagem africana — faz lembrar os tons de Tabu, de Miguel Gomes — este Cartas da Guerra, é um filme que mistura váios géneros: uma mistura de jornal falado das actualidades (já tratados por alguns historiadores do cinema português), documentário, relatório de guerra filme de acção, declaração de amor ultra-romântico e tudo isto ao mesmo tempo.
JVM