La Passion de Dodin Bouffant’|©Tran Anh Hung/Festival de Cannes

76º Festival de Cannes | As Iguarias de La Passion de Dodin Bouffant

O realizador francês de origem vietnamita, Tran Anh Hung, apresentou ‘La Passion de Dodin Bouffant’, um filme notável de fazer crescer água na boca, sobre gastronomia e a arte de viver, com Juliette Binoche e Benoît Magimel. Uma maravilha.

‘La Passion de Dodin Bouffant’ (ou ‘Pot au feu’), de Tran Anh Hung (‘O Odor da Papaia Verde’) é de facto um filme de fazer crescer água na boca, ainda mais para quem ao fim de mais de uma semana de Competição de Cannes 76, tem muito pouco tempo para comer. O filme é uma adaptação do romance ‘La Vie et la Passion de Dodin Bouffant, gourmet’, de Marcel Rouff, publicado em 1920, um livro que celebra a arte de comer bem, à francesa, e viver em harmonia. Existe igualmente uma adaptação para banda desenhada, da autoria de Mathieu Burniat, que representa muito bem esta ideia de ‘à grande e à francesa’ e da ‘art-de-vivre’. A mesa, as refeições e a obsessão pela comida, conseguiram produzir no cinema algumas obras-primas como por exemplo os clássicos ‘A Grande Farra’ (1973), de Marco Ferreri ou ‘A Festa de Babette’ (1987), de Gabriel Axel, entre outros; e mais recentemente com esta febre dos chef’s, o impressionante ‘O Menu’, de Mark Mylod com Ralph Fiennes e Anya Taylor-Joy.

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‘La Passion de Dodin Bouffant’/©Tran Anh Hung

No novo filme de Tran Anh Hung, acompanhamos uma rara história de amor entre o gastrónomo Dodin (Benoît Magimel) e a sua cozinheira Eugénie (Juliette Binoche). Trata-se de uma intimidade (e mais ainda, afinidade) culinária que os dois actores, que viveram juntos, sem dúvida já conheceram anteriormente, embora decerto não a um nível tão sofisticado. O ambiente é o de um castelo no verdejante interior da França — o filme foi rodado em Anjou — dentro de uma maravilhosa cozinha à antiga, com belos e pesados utensílios de cobre e tudo o que seria necessário para executar todas as tarefas de cozinhar com sucesso e elegância; e por fim uma história de amor que, leva de imediato a acreditar que não vai acabar da melhor maneira. Mas enquanto há vida, é preciso aproveitá-la da melhor maneira, como num verão ao sol, como diz a protagonista. O Dodin Bouffant do título é um chef francês que viveu no final do século XIX — pelo menos no livro de Rouff — e por isso o filme procura descrever da melhor maneira possível, as suas ementas, a forma como trabalhar as matérias-primas e alimentos naturais, as preparações, os cozinhados nos velhos fogões a lenha; mas também a confecção de caldos, guisados, assados, consommés, vol au vent, acompanhados de vinhos brancos ou tintos, mas sempre tudo muito requintado. Tran Anh Hung vai filmando com uma única câmara que oscila lentamente em torno dos pratos e dos protagonistas, deixando como única banda sonora o congelamento das gorduras, o fervilhar dos caldos, dos molhos e bagaços de cozinha, além do som exterior das folhas balançando ao vento e o chilrear dos pássaros. Depois é um imenso prazer ver Magimel (mas também Binoche) em ação na cozinha, sobretudo na primeira meia-hora do filme, preparando todas essas iguarias para um jantar divinal, de Doudin com o seu grupo de amigos gourmet.

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‘La Passion de Dodin Bouffant’/©Tran Anh Hung

Porém o filme procura ainda contar uma dupla história de amor pela (e na) cozinha, entre Dodin Bouffant (Benoit Magimel) e Eugénie (Juliette Binoche), a mulher com quem o chef (o Napoleão das Cozinhas) viveu durante vinte anos, que foi sua cozinheira e seu braço direito e que, com o tempo, também se tornou sua amante e seu grande amor. À medida que o desejo aumenta, uma pêra cozida é filmada de perto, sugerindo as curvas femininas, que o plano seguinte confirma, oferecendo ao espectador um belo par de nádegas na penumbra, como se fosse uma pintura. É assim, que também entre um frango e uma costela de cordeiro, ostras e omeletes norueguesas, pregados e vegetais de todos os tipos, ‘La Passion de Dodin Bouffant’, fala-nos em tom quase filosófico desse amor e de um sonho de Dodin de casar-se com Eugénie. Mas também da misteriosa doença da mulher, que ameaça minar a felicidade e o equilíbrio que alcançaram, nesses vinte anos de vida em comum. No filme, a comida e o vinho não são apenas razões para viver, mas a própria vida. Amar, comer, viver e morrer é o tema de ‘La Passion de Dodin Bouffant’, uma história que se desenvolve quase em loop, assente em cores quentes, grandes planos de alhos e cebolas, dos pratos sublimes e das grandes panelas, tachos e caldeirões cobre. Um aparte para os conhecedores da grande cozinha, o chef francês Pierre Gagnaire (três estrelas Michelin) foi chamado para consultor e faz uma pequena aparição no filme. Podem pedir a conta, mas vamos ver quem paga, porque nos vai sair caro!

JVM

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