Primeira Pessoa do Plural, em análise | IndieLisboa 2025 questiona sobre quem somos nós
“Primeira Pessoa do Plural” é a terceira longa-metragem realizada por Sandro Aguilar. O realizador tem já um percurso longo no cinema no formato curta-metragem mas Sandro Aguilar é sobretudo produtor, tendo já quase 100 obras nesse cargo. O filme é protagonizado por Albano Jerónimo, Isabel Abreu e Eduardo Aguilar.
Esta obra, deveras estranha e misteriosa conta a história de um casal com um filho adolescente que está em vias de comemorar o seu 20.º aniversário de casamento. Com uma viagem marcada para uma ilha tropical, as alucinações e devaneios das vacinas são brutais. Faz parte da Competição Nacional do IndieLisboa deste ano. Foi exibido a 6 de maio e repetiu no dia 8.
Primeira Pessoa do Plural – tecnicamente perfeito
“Primeira Pessoa do Plural” é um estranho objeto cinematográfico. Com uma “simples” história de fundo, cada cena que vemos vale por si mesma. Não há uma continuidade lógica nesta narrativa. Chegamos ao final do filme e questionamos mesmo: O que é que acabámos de ver? O que foi isto? Assim, o objetivo de Sandro Aguilar é óbvio: levar o espectador à mesma loucura da qual os nossos protagonistas sofrem. Estamos, portanto, perante um mundo muito lynchiano neste filme…
Nesta obra é impossível não nos referirmos ao lado técnico e à mestria da mesma. Ou seja, a uma direção de fotografia de Rui Xavier absolutamente magnífica, com contrastes de luz que jogam na perfeição com a narrativa do filme. E o som de Alessio Fornasiero? Absolutamente perfeito também. Todo o fora-de-campo é conseguido pelo som. Os pássaros, os ventos, a música, tudo é pontuado.
Um trabalho de atores notável
Sem dúvida, a grande mais valia de “Primeira Pessoa do Plural” é o trabalho dos atores. Se Albano Jerónimo e Isabel Abreu são atores por inteiro, Sandro Aguilar, nesta sua obra, leva-os aos limites da sua representação. Igualmente notável é o trabalho do jovem Eduardo Aguilar, filho do realizador, e que interpreta o filho do casal do filme, Mateus e Irene.
Albano Jerónimo e Isabel Abreu voltam a trabalhar juntos depois de “Restos do Vento” (2022, Tiago Guedes). Igualmente, na última longa-metragem do realizador, “Mariphasa” (2017), ambos os atores participam no filme. Curiosamente, aí, a personagem principal Paulo (António Júlio Duarte) perde a sua filha em circunstâncias misteriosas. Esse facto parece pairar também na narrativa de “Primeira Pessoa do Plural”.
Embora pouco explorada a questão, subentendemos que o casal do filme tinha uma filha que (aparentemente) morreu. Inclusive, Coelho/David (o filho do casal) veste a camisola que afirma que era da irmã. “Não deixes que o teu pai te veja com essa t-shirt. Nela tinha graça, mas em ti nem por isso” diz-lhe a mãe.
Afinal do que fala Primeira Pessoa do Plural?
Inegavelmente, “Primeira Pessoa do Plural” é um filme estranho. Se o centro da narrativa é o casal Mateus e Irene, a verdade é que a obra é uma análise profunda ao próprio ser humano. Logo no início da narrativa, surge-nos um Mateus de cara tapada, enquanto Irene descansa na cama perante os efeitos das vacinas que tomou. Entretanto, é-nos introduzida a relação de Mateus com o filho David. Relacionamento extremamente difícil. Mateus sai de casa e David despede-se da mãe antes de ir para a escola. Até aqui tudo relativamente normal (exceção feita aos gestos mecânicos dos atores que já podem indiciar efeitos secundários das vacinas).
Depois, começamos a ir duvidando do que estamos a ver. Mateus está com um casal amigo junto a um rio, Irene vende uma jóia a uma cliente e, depois, as personagens reencarnam-se. Parecem todas desconhecidas entre si. Os efeitos alucinatórios são óbvios. Tanto que David entra em casa e os pais voltaram atrás no tempo e ele revê-se em criança (ou será outra criança?)… mas toda a tensão pai-filho do início da narrativa ainda se mantém. São estas alucinações que verdadeiramente nos trazem a realidade dos sentimentos e pensamentos destas personagens.
Por fim, nos últimos 15 minutos de “Primeira Pessoa do Plural” acontece, finalmente, a viagem tropical de Mateus e Irene. Mas será que a mesma é real? Agora, Irene e Mateus nem falam. Apenas emitem sons. Estarão eles finalmente livres? Num mundo de luxo e excessos… O que é que acabámos de ver?
Primeira Pessoa do Plural
Conclusão
- “Primeira Pessoa do Plural” de Sandro Aguilar é um estranho objeto cinematográfico. Com interpretações ímpares de Albano Jerónimo, Isabel Abreu e Eduardo Aguilar, este filme alucinante, através de personagens “cheias”, questiona-nos sobre a nossa própria existência enquanto pessoas. Nos extremos das alucinações somos ou não mais verdadeiros sobre nós próprios?