Morreu Michael Madsen | O inesquecível Mr. Blonde de Cães Danados
O actor fetiche de Tarantino, Michael Madsen símbolo do anti-herói moderno, foi encontrado sem vida em Malibu. Tinha 67 anos e sete filhos. E uma aura que nunca envelheceu.
Michael Madsen foi encontrado morto em sua casa em Malibu esta quinta-feira, 3 de Julho de 2025. Tinha 67 anos. A morte foi confirmada por um dos seus representantes, Ron Smith, que adiantou ter-se tratado de uma paragem cardiorrespiratória. Mais detalhes não são conhecidos e talvez nem sejam necessários. Madsen foi sempre mais gesto do que palavra. Mais olhar do que discurso. Mais sombra do que luz.
Um cão danado nunca envelhece
Com a sua figura imponente e a voz crua, Michael Madsen tornou-se o símbolo involuntário de uma masculinidade em extinção, feita de silêncios desconfortáveis, tiques de ameaça e violência latente. Mr. Blonde, a personagem que eternizou em “Reservoir Dogs” (ou “Cães Danados”), é talvez o exemplo mais puro do que ele sabia fazer: um misto de charme e terror, a dançar ao som de ‘Stuck in the Middle With You’ dos Stealers Wheel, enquanto corta a orelha de um polícia amarrado. Sadismo, sim, mas com estilo.
Tarantino e a consagração do culto
Michael Madsen foi uma das peças fundadoras do ‘Tarantinoverso’, a ideia de que as personagens se repetem na filmografia de Quentin Tarantino. E o realizador, venerava-o mesmo quase como Madsen, fosse uma mistura de Robert Mitchum, James Dean e Rod Steiger. Fê-lo brilhar com uma aura de culto que lhe servia como uma luva de cabedal. Depois de “Cães Danados”, ainda o vimos em “Kill Bill (partes 1 e 2)”, “Os Oito Odiados” e “Era Uma Vez em Hollywood”. Tarantino ofereceu-lhe, em tempos, o papel de Vincent Vega em “Pulp Fiction”, mas Madsen recusou por já estar comprometido com “Wyatt Earp”, de Lawrence Kasdan. A história do cinema americano recente agradeceu muito a John Travolta, mas Madsen não precisava de mais para ser eterno.
Um corpo fora do tempo
Michael Madsen pertencia realmente a outro tempo. E sabia-o. “Se calhar nasci na época errada”, disse um dia ao The Guardian em 2004. “Sou um regresso aos tempos dos filmes a preto e branco.” Era feito da mesma matéria que Lawrence Tierney ou Lee Marvin: actores que pareciam ter saído directamente de uma uma cena de pancadaria num bar, para o grande ecrã. A sua intensidade silenciosa era uma arma de destruição emocional.
Uma familia de artistas
Michael Madsen era também irmão da actriz Virginia Madsen (“Duna”, “Electric Dreams”) e começou no teatro, no prestigiado Steppenwolf de Chicago. Antes de Tarantino, teve pequenos papéis em “War Games”, “Thelma & Louise” ou “The Doors-O Mito de Uma Geração”, mas foram filmes de outros realizadores. Com “Reservoir Dogs”, o ecrã passou a ser quase unicamente dele.
Pai, poeta e… fotógrafo
Atrás da fachada intimidante escondia-se um homem surpreendente. Casado há mais de duas décadas, pai de sete filhos, Madsen publicou livros de poesia e fotografias. O mais conhecido, ‘American Badass’, teve apadrinhamento moral de Dennis Hopper. Em 2026 será publicado, postumamente, o livro “For My Father: Outlaw Thoughts and Poems”. Porque mesmo os tipos duros choram por dentro.
Mais toque uma actor de culto
Numa entrevista em 2008, Michael Madsen confessava: ‘As pessoas têm medo de mim. Acham que sou aquele tipo, mas não sou. Sou pai. Tenho uma família. Só interpretei os papéis com demasiada verdade.’ E foi essa verdade crua que o tornou inesquecível. Michael Madsen foi mais do que um actor de culto. Foi um ícone de uma certa ideia de cinema físico, perigoso, masculino. Um símbolo dos anos 90, mas com raízes nos anos 50. Um cão danado, como dizia Tarantino. Agora foi-se. Mas a dança com a música dos Stealers Wheel continua na nossa memória.
JVM