Martin Scorsese está nomeado para um Emmy e não é de realizador
Martin Scorsese, o homem que outrora nos fez temer espelhos em táxis e sermões em ringues, está agora… a fazer comédia para televisão.
Durante anos, Martin Scorsese foi o homem que nos ensinou o que era cinema. Não com moralismos nem com nostalgia empalhada, mas com câmaras a flutuar por corredores, vozes off que nos confidenciavam pecados e personagens que não pediam desculpa. Agora, décadas depois de Taxi Driver, Raging Bull e The Irishman, surge nomeado para um Emmy… como ator. Numa comédia. Na Apple TV+.
Se me tivessem contado isto há uns anos, teria presumido que era uma sátira de 30 Rock. Mas não. É The Studio, uma comédia moderna e meta, com um elenco tão recheado que até parece brainstorming da IA. Martin Scorsese não só aparece, como é reconhecido pela sua prestação.
Martin Scorsese nomeado para Emmy
Martin Scorsese e Ron Howard foram oficialmente nomeados para os Emmys na categoria de Melhor Ator Convidado numa Série de Comédia pelo seu trabalho em The Studio, uma produção da Apple TV+ que mergulha no mundo dos bastidores de Hollywood — com sátira, cameos e absurdos à mistura. Juntam-se a outros nomeados como Bryan Cranston, Anthony Mackie e Dave Franco, todos pelo mesmo projeto, e ainda Jon Bernthal por The Bear.
Para quem não viu The Studio, a série segue Matt Remick (Seth Rogen), um executivo promovido inesperadamente à presidência de um estúdio fictício, Continental Studios. Logo percebe que, por detrás da pompa e circunstância, há caos, egos, e decisões completamente arbitrárias — um espelho cómico (e amargo) da indústria do entretenimento.
Mas o que realmente sobressai é a quantidade (e qualidade) de participações especiais — desde Olivia Wilde a Ice Cube, passando, claro, por Martin Scorsese e Howard. Ver Scorsese no meio disto tudo é como encontrar Fernando Pessoa num sketch dos Gato Fedorento e perceber que ele tem timing cómico.
Quando os autores entram no palco
A televisão há muito deixou de ser o “irmão menor” do cinema. Mas agora, mais do que nunca, tornou-se o seu espelho distorcido, onde até os grandes mestres vão brincar com o seu próprio legado. Martin Scorsese, conhecido por criticar o universo dos super-heróis como “parques temáticos”, agora faz parte de uma série sobre os bastidores do entretenimento, satirizando o sistema que o tornou famoso.
Ron Howard, por seu lado, sempre teve um pé em frente das câmaras — mas mesmo assim, vê-lo nomeado por uma prestação cómica, décadas depois de Happy Days, tem um sabor agridoce. É um regresso, mas também uma aceitação: os papéis mudam, os géneros cruzam-se, e a televisão torna-se o novo cinema.
Assim, há um prazer peculiar — quase perverso — em ver Martin Scorsese a ser nomeado como ator convidado numa série de comédia. Portanto, este é o homem que, em 2019, declarou que os filmes da Marvel “não são cinema”. Que sempre lutou por uma ideia de arte cinematográfica comprometida com a condição humana, com os dilemas morais, com a estética. E agora está a fazer graça de si próprio. Ou será precisamente por isso que o faz?
O paradoxo Scorsese
Se Martin Scorsese ganha ou não o Emmy é quase irrelevante. O verdadeiro prémio é vê-lo entre pares, reinventado, longe da solenidade e perto da sátira. E no fim de contas, não será isso o mais puro exercício de arte? Desconstruir a própria figura até ela ser, de novo, humana?
Afinal, será a televisão o novo altar do cinema? Ou apenas um espelho deformado onde os deuses tropeçam por gosto? Deixa a tua opinião nos comentários.
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