La Grazia, Coppola, Herzog e Gaza: Veneza 2025 abre em estado de graça e polémica
Paolo Sorrentino inaugura o Veneza 2025 com uma história de amor política, Coppola entrega um Leão de Carreira a Herzog e dezenas de artistas exigem que o Lido deixe de virar a cara a Gaza.
A Veneza 2025 começa com a graça, mas logo tropeça no incómodo. O 82.º Festival de Veneza abre esta tarde (27 de agosto – 6 de setembro) ao ritmo de Paolo Sorrentino, eterno esteta napolitano que já nos deu “A Grande Beleza” e agora regressa com “La Grazia”. Um título que parece prometer leveza mas traz peso: Toni Servillo, o seu companheiro inseparável, interpreta um Presidente da República italiano que enfrenta dilemas morais maiores do que a vida, da eutanásia à misericórdia perante crimes cometidos por desespero. É, portanto, Sorrentino em versão ópera cívica: elegante, mas com sangue nas mãos da política.
A ironia não podia ser maior: ‘uma história de amor’ a abrir uma Veneza 2025 onde se discute, em paralelo, o genocídio em Gaza. O movimento Venice 4 Palestine exige à Bienal e ao Festival uma condenação explícita a Israel. A carta aberta soma mais de 1.500 assinaturas e junta nomes como Valeria Golino, Toni Servillo, Céline Sciamma, Ken Loach, Roger Waters e Abel Ferrara. O resultado não tardou: Gal Gadot e Gerard Butler, ambos apontados como apoiantes de Israel, caíram discretamente da passadeira vermelha de Veneza 2025.
A organização respondeu com diplomacia, lembrando que em competição está “A Voz de Hind Rajab”, filme sobre uma menina palestiniana de 5 anos morta num carro bombardeado em Gaza. Para uns, gesto suficiente. Para outros, um festival não se faz só de programação: exige também posicionamento.
No meio da turbulência política do início de Veneza 2025, o Lido também acende velas à cinefilia. Werner Herzog recebe o Leão de Ouro pelo conjunto da carreira, entregue pelo amigo Francis Ford Coppola. Um momento que soa a ritual de passagem: Coppola, ainda a recuperar das tempestades em torno de “Megalopolis”, presta homenagem ao alemão que o fez arrastar um barco pela Amazónia em “Fitzcarraldo”.
Herzog, fiel à sua lenda, já deixou aviso: ‘Ainda não acabei.’ Tradução: preparem-se, ainda haverá selvas, desertos e sonhos febris pela frente e esta noite também “Ghost Elephants” (fora da competição): o novo filme de Herzog leva-nos às terras altas de Angola, tão vastas como a Inglaterra e quase desabitadas, onde o Dr. Steve Boyes persegue há anos uma manada mítica de ‘elefantes fantasmas’. Mas a pergunta é maior do que a aventura: será melhor encontrá-los ou deixá-los permanecer no reino do mito, como a Baleia Branca de Herman Melville? Herzog responde como sempre: o cinema é a fronteira entre sonho e realidade e ali, na ‘Terra no Fim da Terra’, tudo é assombro.
É este o cocktail de abertura de Veneza 2025: glamour e protesto, memória e incómodo, cinema, política e elefantes. “La Grazia” traz emoção e dilema; Gaza lembra que há sangue fora do ecrã; Coppola e Herzog fecham o círculo dos gigantes. É assim que Veneza 2025 abre em estado de graça, mas também em estado de sítio.
Pub
JVM