"Plainclothes" | © Queer Lisboa

Queer Lisboa 2025 | Plainclothes – Análise

O cineasta nova-iorquino Carmen Emmi estreia-se em grande com “Plainclothes”, um drama íntimo e romântico que encheu a sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge numa grande noite de abertura para o 29.º Queer Lisboa.

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O Queer Lisboa é uma instituição inegável na cena cultura da capital portuguesa, como o festival de cinema mais antigo a operar na cidade. Assim, é com alegria que testemunhamos uma abertura com todo o sucesso, bem repleta e abençoada com a estreia nacional de uma primeira obra notável.

“Plainclothes”, protagonizado por Tom Blyth (um dos protagonistas da recente prequela da saga “Hunger Games“), é um drama profundamente intimista e bem executado. Encontramo-nos na Siracusa, Nova Iorque dos anos 90, e o nosso protagonista Lucas é um polícia à paisana que integra uma perversa unidade especial que tem como tarefa seduzir e prender homens gays por exposição indecente. Tudo muda para Lucas quando começa a interessar-se por um dos alvos, o que o faz desafiar abertamente as suas ordens superiores.

Uma estreia de relevo no Queer Lisboa 29

A virtude mais notável da obra de estreia de Carmen Emmi é, na nossa perspectiva, a forma como entra de forma tão plena e completa na intimidade do seu protagonista. Em “Plainclothes” conhecemos os desejos e vergonhas mais profundas de Lucas, uma personagem atormentada por uma ansiedade galopante que ameaça engolir tudo.

A função primordial de Lucas é seduzir homens e levá-los a exporem-se na casa de banho de um shopping típico dos anos 90, mas esta obrigação torna-se cada vez mais pesada. Lucas não só sente uma culpa notável, sendo atormentado pelos rostos dos homens que prende, como desconfia que ele próprio pode ser homossexual, acabando por isso uma relação de longa duração com a sua noiva.

Num dia “normal” no seu trabalho, Lucas conhece Andrew e a atração é inegável. Assim começam os encontros furtivos entre os dois, eis numa sessão da tarde num cinema, eis numa estufa remota. A atração é palpável e Emmi filma o desejo com grande mestria. Destaque, nomeadamente, para uma belíssima cena de sexo, repleta da melhor dose de erotismo e de um cunho romântico avassalador.

A história é-nos narrada de forma semi-sequencial, com muitos momentos de flashback pelo meio, e sempre do ponto de vista do protagonista. Para honrar a década em que o filme acontece, os anos 90, temos intercaladas várias imagens captadas no estilo de VHR. Estas imagens não são, de longe, as mais belas do filme, mas contribuem para a construção de uma identidade e estética própria, e reforçam também a perspectiva muito pessoal da longa-metragem.

É como se estivéssemos literalmente a invadir as memórias de infância e a vida interior de Lucas, um inegável herói torturado por culpa, vergonha e muito medo. Medo do que a sua família e amigos possam pensar caso descubram o seu segredo, medo de que a sua mãe o possa rejeitar caso saiba a verdade.

O filme, munido de grandes planos em abundância, assenta em grande parte na expressividade, na força dos olhares e na sua capacidade de transmitir intenção. É nas micro-expressões que encontramos a verdadeira prova do desejo ardente entre Lucas (Blyth) e Andrew (Russell Tovey), um desejo que nunca se poderá converter numa relação real devido à vergonha que corrói o seu envolvimento.

Intimidade e história coletiva: as vertentes de Plainclothes

Curiosamente, na história recente do Queer, a horrenda prática de captura de homossexuais pela polícia foi também recuperada através da exibição do documentário “Tearoom”, de William E. Jones (2008), exibido na última edição do Queer Lisboa, e que retrata esta invasiva prática na década de 60.

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Assim, “Plainclothes” é um filme que consegue casar na perfeição vários mundos: é uma história profundamente subjectiva e pessoal, com personagens que se fazem sentir de carne e osso, mas é também uma obra que reflete sobre algumas das maiores injustiças perpetuadas contra a comunidade queer, recordando o seu contexto e vil natureza.

Tom Blyth está exímio num papel que exige muito da parte de quem o representa, devido à forte entrada no subconsciente do protagonista já mencionada. O elenco restante é também forte e convincente, tornado esta história ainda mais marcante.

Depois de uma excelente Noite de Abertura, o Queer Lisboa continua na capital até ao dia 27 de setembro e cá estaremos a acompanhar o seu certame!

Conclusão

Há muito para amar em “Plainclothes”, do erotismo exímio à excelente prestação central de Tom Blyth, passando por uma reconstituição histórica com um cunho particularmente pessoal.

Overall
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