Queer Lisboa 2025 | Something Must Break – Análise
Cinema com legado, “Something Must Break” é uma obra bela de 2014 que foi já programada no passado no Queer Lisboa. Quase uma década depois, a obra volta a integrar a seleção do festival integrada numa programação dedicada às ansiedades, vitórias e preocupações da comunidade trans.
Histórias trans em foco no 29.º Queer Lisboa
Na secção “Queer Focus” do Queer Lisboa em 2025 encontramos o filme sueco “Something Must Break”, da autoria de Ester Bergsmark. Este é um romance tenro sobre identidade, onde acompanhamos a jornada de “coming out” trans de uma personagem central inebriante e que se faz sempre sentir muito real e palpável.
Filmado de forma muito naturalista, “Something Must Break” é o tipo de romance e coming of age que mais se assemelha a um pedaço de vida, com a sua representação realista e complexa das ansiedades da sua protagonista, com cenas de sexo íntimas, honestas e bem filmadas e com uma conclusão que permite espaço para crescer – para quem vive a narrativa e também para quem a acompanha.
“Something Must Break” é um conto muito intenso e belo, numa história de amor que por vezes roça o tóxica. Ellie é uma jovem que se afasta cada vez mais do seu “eu” masculino, rumo a uma identidade plena como mulher. Contudo, está ainda em fase de transição, um pouco entre mundos, em constante evolução e tudo isto gera muita tensão com o seu namorado.
É inegável que Andreas ama Ellie, mas não se considerando gay, e não tendo Ellie feito ainda a cirurgia de redesignação sexual, esta fase de transação acaba por criar um fosso estes dois amantes. E claro, sabemos que o género e a constituição de “eles”, “elas” ou “elus” tem muito mais que se lhe diga que apenas genitália, mas para os efeitos desta história, velhos preconceitos e uma forte auto-censura falam mais alto. E claro, que tal aconteça é, infelizmente, bastante realista.
Rebeldes com uma causa em Something Must Break
Ellie e Andreas são rebeldes, não-conformistas, e esta sua identidade desafiadora pauta a maioria das suas intervenções e atividades favoritas. Estas são personagens ricas, que se fazem sentir verossímeis e que nos arrastam pelo caminho e convidam a mudar: quiçá possamos ser mais aventureiros e aventureiras, quiçá possamos quebrar o molde.
Ver Ellie a tornar-se cada vez mais uma mulher de seu pleno direito é um dos grandes trunfos de “Something Must Break”, um filme profundamente íntimo e sincero. Sincero também na sua conclusão, que não é fácil, nem cliché, nem categórica, como nada na vida o é.
Para Bergsmark, esta é a primeira longa que assina, mas o seu estilo de realização é já cheio de vida, de firmeza e de uma forte capacidade de comentar o conformismo do mundo em que vivemos sem precisar de “gritar” os seus argumentos, sem precisar de sacrificar a subtileza.
Na década passada, e antes de passar pelo Queer Lisboa, em 2025 ou 2014, visitou também o Tribeca, o BFI London Film Festival e foi inclusive premiado no Festival de Roterdão. Passados mais de 10 anos, “Something Must Break” é igualmente, senão ainda mais pertinente , e assim se distingue o bom cinema, aquele capaz de deixar uma marca e criar memórias.
Louvores são também devidos a Saga Becker, para lá de fenomenal no papel de Ellie, levando-nos numa viagem genuína, despida de preconceitos ou receios.
Quanto ao Queer Lisboa, em 2026 estará de volta ao Cinema São Jorge e à Cinemateca Portuguesa para uma edição muito especial: a sua trigésima!
Something Must Break
Conclusão
“Something Must Break” é um romance tenro sobre identidade, onde acompanhamos a jornada de “coming out” trans de uma personagem central inebriante e que se faz sempre sentir muito real e palpável.
O filme de Ester Bergsmark é tão relevante hoje como há 11 anos atrás, quando foi lançado com uma tremenda e merecida rota de festivais.