Honey Don’t – Análise
“Honey Don’t”, produzido e realizado por Ethan Coen, chegou aos cinemas nacionais no dia 2 de outubro. Beneficia de uma banda-sonora contagiosa, um humor irrepreensível e duas protagonistas em estado de graça.
Uma vez mais, Ethan Coen (dos irmãos Coen, aqui sem o seu mano Joel), o cineasta co-responsável por títulos memoráveis como “Fargo”, “Indomável”, “O Grande Lebowski” ou “Este País Não é Para Velhos), associa-se à sua esposa Tricia Cooke para propor uma nova abordagem à comédia criminal. Ela no argumento, ele na realização, assim se aventuram no segundo capítulo da sua trilogia informal.
Ethan Coen, Tricia Cooke e uma Margaret Qualley em altas
A primeira aventura desta “trilogia” surgiu em 2024, com “DRIVE-AWAY DOLLS”, outra comédia criminal lésbica, pautada por bom humor e um elenco excelente, também ele encabeçado por Margaret Qualley (“A Substância”) e com outros nomes chamativos como Beanie Feldstein (“Booksmart”), Pedro Pascal (“Eddington”) ou Colman Domingo (“Sing Sing”).
Esta proposta de 2025 mantém um espírito bastante próximo, abençoando-nos com performances centrais por Margaret Qualley (“Era Uma Vez…Em Hollywood), Aubrey Plaza (“Parks & Recreation”) e Chris Evans (“O Match Perfeito“). Desta vez seguimos as aventuras da detetive privada Honey O’Donahue, nativa de Bakersfield (Califórnia), que depois de encontrar o corpo de uma mulher dentro de um carro, sua cliente, acaba por descobrir que esta morte, aparentemente acidental, está associada a uma operação de drogas de larga escala, perpetuada por uma bizarra e pouco usual igreja local. O que se segue é uma história inverossímil mas capaz de entreter, situada num pequeno deserto com poucos habitantes mas criminalidade para dar e vender.
Voltamos ao registo da comédia negra, onde Ethan e Joel sempre foram reis, num thriller criminal que se passa no pós-COVID mas que, em certos aspectos, parece perdido no tempo. Isto porque “Honey Don’t” homenageia o cinema dos anos 70 e o neo-noir de forma bastante evidente e com notável sucesso. Da corrupção proliferante à presença de femme fatales, o que não falta são evocações do estilo noir, mas outros géneros podem também aqui ser encontrados, como por exemplo o filme de série b.
Honey Don’t: um desequilibrado neo-noir “de série b”
Aliás, Ethan Coen e Tricia Cooke chamaram carinhosamente a este filme parte da sua “trilogia de filmes lésbicos de série b”. Todavia, a falta de sucesso comercial tanto de “Drive-Away Dolls” como de “Honey Don’t”, nos EUA, poderá acabar por condenar a concretização da terceira parte deste trio de filmes. E apesar dos defeitos claros desta obra, esperamos que tal não aconteça.
Mas falemos primeiro das virtudes: Margaret Qualley é absolutamente excelente no papel da personagem titular, desprendendo-se de interpretações prévias e surgindo com uma criação única para esta trama de Ethan Coen. Além disso, temos um Chris Evans capaz de irritar e entreter em igual medida e, claro está, uma Aubrey Plaza fenomenal e caricatural na pele de MG Falcone.
Desde o primeiro minuto, os créditos iniciais estrondosos de “Honey Don’t” mergulham-nos de forma intensa na pequena povoação californiana onde o nosso mistério se desenrola, e a noção de ritmo (“pacing”) nunca desilude. Dos dramas familiares à vida romântica, Honey é uma personagem bem construída e pela qual é fácil torcer. Além disso, como mulher lésbica poderosa, a sua existência quebra os estereótipos de género associados tipicamente às narrativas criminais e thrillers, muito presos um mundo predominantemente masculino.
Não fosse tal suficiente, a relação construída entre as personagens de Qualley e Aubrey Plaza é excelente. A química entre a dupla, que não se havia conhecido até às filmagens, é verdadeiramente palpável. O clássico, “quando lá está está”. E eis que em “Honey Don’t” não há qualquer dúvida.
Toda a longa-metragem, curta e divertida, escorrega na perfeição até chegarmos ao ato final. Aí, infelizmente, tudo degenera. A resolução do crime faz-se de forma sumária, na forma de um twist final absurdo, supomos que herança da tal estrutura de série B, mas isso não é suficiente para justificar o que se passa no ecrã. Sem entrar em detalhes, claro está, a resolução do enredo de Tricia Cooke é perfeitamente idiota, para além de nos deixar com mil e umas questões sobre o encadeamento da narrativa e as motivações opacas das personagens.
É uma pena, pois “Honey Don’t” é exatamente o tipo de obra cuja eficácia e qualidade se vêm profundamente corrompidas por causa do seu final. Assim, abandonamos a sala com um gosto amargo na boca e a certeza de que, ainda assim, os papéis de Margaret Qualley e Aubrey Plaza merecem ser recordados e a trilogia terminada. Da próxima vez, esperemos que com um argumento resolvido com mais sentido.
Honey Don't
Conclusão
“Honey Don’t”, produzido e realizado por Ethan Coen, beneficia de uma banda-sonora contagiosa, um humor irrepreensível e duas protagonistas em estado de graça. Margaret Qualley e Aubrey Plaza têm uma química natural impossível de replicar e são as rainhas absolutas de uma narrativa que merecia uma melhor conclusão.