© Warner Bros. Pictures ( Editado por Vitor Carvalho, © MHD)

Hollywood 2025: O Ano em que o Cinema Encarou o Caos de Frente (e Parou de Fingir)

Entre pandemias mal digeridas, inteligência artificial fora de controlo, autoritarismos reciclados e estúdios a falar com os dois lados da boca, 2025 foi o ano em que Hollywood tentou — enfim — explicar o mundo em que vivemos. E que mundo…

Durante anos, Hollywood comportou-se como aquele convidado que percebe que a sala está a arder, mas prefere comentar a decoração. Trump veio, Trump foi, Trump voltou; a realidade transformou-se num reality show permanente; as redes sociais tornaram-se armas de guerra emocional; e o cinema mainstream… tossiu, engasgou-se e fingiu que estava tudo bem. Regra geral, quando tentou ser político, Hollywood parecia um tio bêbado num jantar de Natal: barulhento, pouco subtil, frequentemente embaraçoso e inoportuno. Em Hollywood 2025, qualquer coisa mudou. Não foi uma revolução. Não foi um despertar colectivo iluminado por Steven Spielberg ou Martin Scorsese de mãos dadas. Mas foi, finalmente, uma tentativa séria de encarar o “nosso momento”: esse caldo tóxico feito de tecnocracia, populismo, IA desregulada, culto da celebridade, nacionalismo religioso e indignação fabricada em série.

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eddington critica analise
“Eddington” | © Cinemundo

O presente como filme de terror

O exemplo mais desconcertante de Hollywood 2025 foi “Eddington, de Ari Aster. Um filme que dividiu plateias como poucas coisas hoje em dia: metade riu, a outra metade ficou com vontade de atirar o balde das pipocas e o copo da Coca-Cola ao ecrã. A cena do Blackout Tuesday no Instagram, tratada como momento de terror cósmico, funciona como uma gargalhada nervosa colectiva sobre o activismo de teclado de 2020, em pleno tempo de pandemia. Mas o filme não está interessado na pandemia enquanto memória. Está interessado em 2025. Nos centros de dados de IA que sugam água, território e sanidade mental. No futuro vendido como progresso enquanto o chão racha por baixo dos pés. “Eddington” não é, efectivamente, um filme confortável. E ainda bem.

Hollywood 2025: Michael B. Jordan em Pecadores de Ryan Coogler
“Pecadores”. © 2025 Warner Bros. Ent. All Rights Reserved.

Horror, mito e memória histórica

Mais consensual foi “Pecadores, de Ryan Coogler, que fez aquilo que muitos tentaram e poucos conseguiram: falar de racismo, colonialismo e violência histórica sem transformar o filme num panfleto ou numa lição de moral. Coogler escolheu o horror, a música, o mito e o sangue. Vampiros, gospel, blues e Jim Crow misturam-se num objecto estranho, excessivo e vivo. Não explica o passado, faz-nos senti-lo. E isso, em cinema, vale mais do que mil discursos.

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Hollywood 2025: superman james gunn
“Superman” © Warner Bros.

Quando até os super-heróis entram na política

Até os super-heróis — esse género que costuma fugir à política como o diabo da cruz — entraram finalmente nesta conversa em Hollywood 2025. O “Superman, de James Gunn, não é apenas mais um reboot musculado: é uma sátira clara ao ecossistema contemporâneo da desinformação e das fake news. O vilão não quer dominar o mundo com lasers; quer fazê-lo com bots, clones de IA e campanhas de ódio. O Homem de Aço regressa assim às suas origens antifascistas, adaptadas a um tempo em que a verdade perdeu para o algoritmo.

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“Batalha Atrás de Batalha”. © Warner Bros

A melancolia política de Paul Thomas Anderson

Paul Thomas Anderson, sempre elegante e oblíquo, ofereceu talvez o filme mais completo de Hollywood 2025: “Batalha Atrás de Batalha”. Está lá tudo sobre o mundo em que vivemos sendo ao mesmo tempo uma reflexão melancólica sobre as utopias, sobre as gerações de activismo político. Adaptando livremente “Vineland”, mais um romance de Thomas Pynchon (o mesmo autor deVício Intrínseco”), o filme aceita uma verdade incómoda: quem luta raramente vê o mundo que sonhou, vê apenas o mundo que deixa aos outros. Num tempo dominado por uma gerontocracia teimosa e pela mediocridade, esta ideia cai como uma pedrada no charco, mas de forma silenciosa e devastadora.

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Hollywood 2025: Wake Up Dead Man - Knives Out
“Acorda, Defunto: Um Mistério Knives Out” Photo by Courtesy of Netflix – © 2025 Netflix, Inc.

Rir primeiro, engolir depois

Rian Johnson, em “Acorda, Defunto: Um Mistério Knives Out, prefere o bisturi à marreta. Este terceiro capítulo da saga “Knives Out” desmonta o nacionalismo cristão, o culto da celebridade e a política como espectáculo com humor ácido e precisão cirúrgica. Piadas sobre o DOGE (Department of Government Efficiency) e “marxistas feministas” convivem com uma crítica feroz a influenciadores messiânicos e a líderes de culto digital. Rimo-nos e depois engolimos em seco.

Hollywood 2025: After the hunt com Julia Roberts
“Depois da Caçada”. © Amazon MGM Studios

Nem tudo resulta (e ainda bem)

Contudo, nem tudo funcionou, em Hollywood 2025, claro. “Wicked: Pelo Bemapesar de prolongar a sua alegoria antifascista, acaba por dilui-la em frases feitas. “Depois da Caçada, de Luca Guadagnino, perdeu-se num labirinto de intenções sobre política identitária. “The Running Man, de Edgar Wright, com Glen Powell, acerta no alvo mas dispara uma munição demasiado genérica. “Tron: Ares fala de tecnocracia e IA… ou talvez não. Ainda não percebemos bem.

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Warner Bros. Studios torre
© Silas Lundquist via Unsplash

O paradoxo final

O saldo de Hollywood 2025, ainda assim, é surpreendentemente positivo para os espectadores. Filmes políticos, opinativos e incómodos não só existiram como alguns foram mesmo grandes sucessos comerciais. “Superman”, “Pecadores” e “Wicked: Pelo Bem” lideraram bilheteiras. “Acorda, Defunto…” pode não ter brilhado nas salas, mas será quase de certeza um fenómeno de streaming. “Batalha Atrás de Batalha” e “Pecadores” cheiram a Óscares. E aqui entra a grande ironia de 2025: Hollywood parece mais politizada no ecrã do que nos bastidores. Enquanto os filmes criticam autoritarismos e corporações omnipotentes, os estúdios fazem vénias estratégicas ao poder. A Disney suspendeu apresentadores como Jimmy Kimmel por causa da pressão política. A Paramount paga milhões para resolver processos ligados a Trump enquanto produz filmes sobre corporações totalitárias. A Amazon financia documentários sobre Melania Trump. A Netflix e a Warner Bros. entram em jogos de bastidores onde política, dinheiro e media se confundem numa dança pouco elegante.

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©Walter Cicchetti via ShutterStock (ID 2410767539)

Hollywood fala, mas fala com os dois lados da boca.

Nada disto é novo. O cinema industrial de Hollywood sempre viveu entre o idealismo criativo e o pragmatismo financeiro. A novidade é que, em 2025, essa contradição ficou completamente exposta. Os filmes dizem uma coisa. As empresas dizem outra. E o público, mais atento do que nunca, percebe. Talvez este seja o verdadeiro ponto de viragem. Não apenas porque Hollywood 2025 começou a olhar para o caos contemporâneo, mas porque já não consegue fingir mais do que está fora dele. O cinema voltou a tentar explicar o mundo. Agora resta saber se os estúdios deixarão que continue a fazê-lo.

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